- 12 de novembro de 2024
Adriana Vasconcelos e Demétrio Weber
BRASÍLIA
O depoimento da mulher do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, Renilda Santiago Fernandes de Souza, à CPI dos Correios deve apressar a convocação do deputado José Dirceu (PT-SP) para depor na comissão. Apresentando-se como uma simples dona-de-casa que nada sabia dos negócios do marido, ela fez, no entanto, o elo entre o ex-ministro da Casa Civil e o esquema de empréstimos montado por Valério e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares para alimentar um suposto caixa dois e o chamado mensalão. Ao falar de sua preocupação com o calote anunciado pelo PT, Renilda contou detalhes sobre encontros que Dirceu teria mantido com os dirigentes dos bancos Rural e BMG, no fim do ano passado, para acertar o pagamento dos empréstimos milionários. Renilda, depois do estouro do escândalo, disse que perguntou ao marido como eles pagariam os empréstimos se não tinham patrimônio para honrar a dívida que, atualizada, passa de R$ 90 milhões. Valério voltou a dizer o que já revelara no depoimento ao Ministério Público: que Dirceu tinha conhecimento das dívidas e que por isso o pagamento estaria garantido.
Ela disse ter ficado irritada, mas Valério temia dizer não a Delúbio e perder contas que suas empresas têm com o governo.
- Do ministro Dirceu posso falar. O Marcos Valério me revelou que houve uma reunião da direção do Banco Rural, acho que ano passado, no Hotel Ouro Minas, em Belo Horizonte, com o então ministro José Dirceu para acertar como seria o pagamento do empréstimo. E outra em Brasília com o BMG. Mas o Marcos Valério não participou - disse ela.
A revelação deve precipitar a convocação de Dirceu, o que vinha sendo adiado estrategicamente por integrantes da base governista.
Para o deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ), a partir de agora a convocação de Dirceu passa a ser inevitável:
- Não tem mais como impedir a convocação do deputado José Dirceu. Amanhã (hoje) marcaremos a data - avisou.
- O principal efeito do depoimento de Renilda é tornar inevitável e inadiável o depoimento do ex-ministro Dirceu. Vamos aprovar amanhã e marcar para a primeira quinzena de agosto - completou Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA).
Cauteloso, o relator Osmar Serraglio (PMDB-PR), admitiu que o assunto deverá ser debatido na sessão administrativa de hoje:
- Essa é uma novidade que ela trouxe. Mas o Delúbio disse que só ele sabia. Portanto, temos de refletir e investigar qual é a verdade. Temos de saber se Dirceu realmente sabia. Ele será ouvido no dia 2 de agosto na Câmara. Temos de avaliar quando ele virá à CPI.
Já o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) estranhou o fato de a mulher de Marcos Valério citar só o envolvimento de Dirceu, alegando desconhecer ou não se lembrar de dados bem mais banais, como o número do celular do marido:
- Ela está com memória seletiva - disse.
Mostrando ter sido bem preparada pelos advogados do casal, Renilda protegeu o tempo todo Marcos Valério. Negou que ele tivesse comandado esquema de lavagem ou cometido crime. Também preservou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Disse que seu marido nunca esteve com ele ou recebeu qualquer favor do presidente ou do governo.
Preocupada com um calote do PT, Renilda disse que gostaria que o marido entrasse com ação na Justiça para cobrar a dívida do partido.
- Meu maior desejo é que o Marcos entre na Justiça para que essa dívida seja resgatada.
O deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) sugeriu um caminho:
- Por que não questiona na Justiça o aval que não deu? Se está tão preocupada com o calote do PT, se está preocupada com seus filhos. Se o PT não pagar, não vai sobrar nada para seus filhos João Vitor e Natália.
- Não sabia desse caminho jurídico. Vou tomar as providências, agradeço a informação - disse Renilda.
Muito abalado, Marcos Valério, de acordo com sua mulher, teria demorado a revelar o esquema de empréstimos montado com o PT por esperar que os envolvidos tomassem a iniciativa.
- Acho que foi ingenuidade dele. Houve um excesso de confiança do Marcos no Delúbio e no PT Conversei no domingo e ele disse que hoje se sentia usado. Beneficiado eu sei que ele não foi - disse Renilda.
Ela garantiu que nunca acompanhou de perto os negócios do marido, nem das empresas das quais é sócia, como a SMP&B Comunicação, a DNA Publicidade e a Grafite Participações. Só viu Delúbio uma vez, numa prova de hipismo da qual a filha participou em São Paulo. Casada há 18 anos, com 25 anos de relacionamento, Renilda justificou sua opção por ficar fora dos negócios alegando que preferiu se dedicar à casa e aos filhos, delegando ao marido procuração para cuidar das empresas:
- Nunca freqüentei as empresas. Se me perguntar qual é a cor do tapete da DNA não saberei dizer porque nunca estive lá. A Karina (ex-secretária Fernanda Karina Somaggio) trabalhou lá nove meses e admitiu que nunca me viu. Dei procurações para o meu marido em confiança, como muitas mulheres fazem. Você ama, você confia. Sou do lar.
- Ela está bem orientada, sabe o que pode ou não dizer. Não diz nada que comprometa do Marcos Valério. A única coisa importante é que chamou Dirceu para dançar no baile da corrupção - disse o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).
Renilda classificou de fantasiosa a versão apresentada por Fernanda Karina de que Marcos Valério teria tido uma participação direta no pagamento do chamado mensalão a parlamentares da base governista. Disse considerar injusto que seu marido esteja sendo responsabilizado sozinho por tudo, lembrando que qualquer cheque emitido por suas empresas tem necessariamente de ser assinado por dois sócios.
COLABOROU Adriano Ceolin, do Globo Online