00:00:00

Crônica do Aroldo - TROCA DE ÓLEO

O Clube do Exército da pequena cidade tem ciclos interessantes. Sua freqüência varia de acordo com o humor do comandante do batalhão que o mantém: se o este é um sujeito aberto e afeito a amizades e agitos, o clube passa a ser movimentado; do contrário fica às moscas.


O Clube do Exército da pequena cidade tem ciclos interessantes.  Sua freqüência varia de acordo com o humor do comandante do batalhão que o mantém: se o este é um sujeito aberto e afeito a amizades e agitos, o clube passa a ser movimentado; do contrário fica às moscas.

 

Certo tempo atrás, aquela instituição contratou a mulher de um sargento para gerir seu  bar e cozinha: Dona Adélia. Ela e seus ajudantes faziam de tudo para dar conta do recado.

 

Dona Adélia, baixinha, atarracada, com enormes varizes expostas no que chamava de pernas, é das pessoas mais feias que já vi em toda a minha vida. Além de feia não prezava pela higiene: estava sempre com os cabelos sujos e desgrenhados; as unhas grandes e descuidadas carregavam toda a terra que um dia a humilde senhora haveria de possuir; a boca inteira só ostentava os dois caninos superiores que não se lembravam da última vez que viram uma escova - dizem que ela conservou aqueles dois dentes só pra roer tucumã; sua única roupa de trabalho, um misto de tubinho e abadá, que há muito tinha esquecido sua cor original, era marcado, entre a altura da barriga e dos joelhos por enormes manchas "cinza-amarronzadas" provocadas pelo péssimo hábito de limpar e enxugar as mãos naquele território. Para completar o quadro, dona Adélia trazia sempre na boca um palito amassado, movimentado do extremo leste ao extremo oeste enquanto tentava conversar. Quase esqueci: dona Adélia tinha um olho vazado.

 

Certo dia, para preencher o tempo ocioso, me dirigi ao clube, encontrei alguns amigos e, depois de algumas doses, decidimos jogar uma partida de canastra. O jogo já andava animado entre cervejas, talagadas de uísque quando resolvemos pedir um tira-gosto; única opção: batatas-fritas. Pois, que venham as batatas-fritas.

 

Ao cabo de longos minutos apareceu a figura torpe de dona Adélia, com um pano imundo sobre o ombro direito, trazendo numa das mãos um pequena bandeja oval coberta com papel de pão espetado por dezenas de palitos; sob aquele papel estariam nossas batatinhas fritas. No afã de saborear os petiscos, nem permitimos que ela repousasse a vasilha sobre a mesa. Ao retirar o papel que cobria as batatas, demos com longos e finos pedaços do tubérculo encharcados de óleo e pretos como a alma de Caim. Ninguém teve coragem de  servir-se daquela comida. Um dos parceiros na mesa, querendo justificar, de maneira educada, a nossa não aceitação daquele tira-gosto, falou para a cozinheira, sem rodeios:

 

- Dona Adélia, quanto tempo faz que senhora não troca o óleo...?

 

Antes que ele acrescentasse  as palavras "da panela" à frase, dona Adélia tirou  o

surrado palito da boca, e, dirigindo o próprio para o interlocutor, respondeu:

 

- Ah, meu filho..., tem muito tempo. Olha que eu estou sempre disposta, mas o Claudomiro não tem me procurado...

 

 

AGRADEÇO A TODOS QUE ABRILHANTARAM O LANÇAMENTO DO MEU LIVRO "20 CONTOS INVERSOS E DOIS DEDOS DE PROSA", BEM COMO ÀQUELES QUE PRESTIGIAM AS MAL TRAÇADAS LINHAS DESTE ESCRIVINHADOR.

Últimas Postagens