Helayne Boaventura e Marina Amazonas
Da equipe do Correio
Carlos Moura/CB |
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Delúbio Soares admite: "A iniciativa de procurar bancos, de saldar débitos, é de minha responsabilidade"
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"Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo zombará de nós essa tua conduta?" A indagação provocativa do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), citando o filósofo e político romano Cícero em nada influenciou no depoimento do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, prestado ontem pelo petista à CPI dos Correios. Delúbio utilizou ao máximo o habeas corpus concedido pela Justiça e debochou da comissão com respostas evasivas. Ignorou todos os apelos e irritou deputados e senadores ao calar-se sobre os detalhes mais importantes da confissão de que utilizou caixa dois nas campanhas do PT.
De gravata vermelha e bóton com a estrela do PT na lapela, o homem que cuidou das finanças petistas durante cinco anos assumiu, sozinho, toda a responsabilidade por ter utilizado dinheiro não declarado em campanhas eleitorais do partido. Isentou o governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, e o PT. "A iniciativa de procurar bancos, de saldar débitos, é de minha responsabilidade", afirmou.
A explicação foi a nova versão apresentada por Delúbio para justificar saques de pelo menos R$ 20 milhões nas contas das agências do publicitário Marcos Valério. O deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) garantiu que o dinheiro era pagamento de mensalão, a mesada de R$ 30 mil a deputados do PP e do PL. Mas Delúbio negou. "Não tem pagamento de mesada do PT a parlamentares de qualquer partido", garantiu ontem, na CPI. "O PT não orienta compra de votos para votar com o governo. Cada parlamentar deve votar conforme sua consciência e suas causas sociais."
Os parlamentares não acreditaram na explicação. Utilizaram apelos, argumentos lógicos e ameaças para arrancar de Delúbio uma confissão. A deputada Denise Frossard (PPS-RJ), juíza aposentada, sugeriu os horrores das prisões brasileiras como forma de intimidação. "Meu filho, pague seu advogado ou venha defendido pela defensoria pública. A sua tese está sendo a de empurrar o senhor para a fogueira. O senhor conhece alguma prisão brasileira, senhor Delúbio? Já esteve em uma prisão que não fosse política? Eu conheço", pressionou, sem conseguir, porém, assustar Delúbio. E desabafou: "Tentaram fazer a mordaça da imprensa. A mordaça do Ministério Público. Tentaram quebrar a espinha do Judiciário e, por fim, tentaram jogar o Congresso na lixeira, mas não conseguiram. Os senhores são muito atrapalhados".
Delúbio não se alterou diante da metralhadora verbal da senadora Heloisa Helena (PSol-AL). "Você dentro do PT nunca foi cínico. Sempre foi o homem todo-poderoso do Lula, da cúpula palaciana do PT. Muitos que usufruíram dos esquemas financeiros que você montou hoje falam mal de você. Eu não acredito que você agiu sozinho", acusou a senadora. Delúbio não só não se alterou como deu o troco, desencadeando a fúria da ex-petista. "Batalhei muito na minha vida, inclusive na campanha de 1998, quando o PT elegeu a senhora", alfinetou o ex-tesoureiro. "Espero que não tenha sido com dinheiro roubado, senão vai ter", esbravejou a senadora.
Sem revelar sacadores
Nem diante dos vários ataques, Delúbio revelou os nomes das pessoas que autorizou a fazer saques nas contas das empresas de Marcos Valério. Ponto fundamental da estratégia jurídica de defesa, que ele seguiu à risca no depoimento. O ex-tesoureiro usou várias vezes a prerrogativa de negar-se a responder. Cochichou durante todo o tempo com o advogado Arnaldo Malheiros, a quem recorreu diretamente para responder algumas questões, e de quem não desgrudou nem nos breves intervalos.
Tentou demonstrar humildade, para não atrair ainda mais a irritação dos parlamentares. Mas, em muitos momentos, disparou flechadas. Fez gracinhas, foi irônico e chegou a ser ríspido. "A quebra dos sigilos dos bancos vai revelar (os nomes dos beneficiários dos saques). Vocês é que têm a informação do sigilo, eu não tenho", rebateu, em resposta ao senador Demóstenes Torres (PFL-GO).
Tentativa de golpe
Apesar do momento tenso, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, que depôs como acusado na CPI dos Correios, chegou a repetir a acusação de que as denúncias fazem parte de uma tentativa de golpe. Para ele, a oposição aproveita os escândalos para desestabilizar o governo. "Só recebi até agora duas perguntas sobre os Correios. Acho que o governo está sofrendo um ataque violento para desestabilizar o governo, para desgastar o governo", acusou. Para, em seguida, apontar ataques aos próprios integrantes da comissão parlamentar de inquérito. "Esta não pode deixar de ser a CPI dos Correios para ser transformada em CPI do PT."
O argumento de golpe faz parte da tentativa de Delúbio de convencer a opinião pública de que as denúncias tomaram uma dimensão além dos crimes cometidos pelo PT. Além de ter feito caixa 2, uma das raras confissões feitas, o petista confirmou, em parte, a versão apresentada pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Delúbio confirmou o que a direção do PT negou repetidamente e com veemência logo após as denúncias de Jefferson: ter repassado dinheiro ao PTB para cobrir despesas de campanha.
O ex-tesoureiro só alegou que as circunstâncias não ocorreram como o petebista descreveu. "No momento correto, as investigações vão mostrar quanto repassamos ao PTB", desconversou.
Malas de dinheiro
Nos depoimentos que prestou no Congresso, Roberto Jefferson afirmou ter feito um acerto com Delúbio e o ex-presidente do PT José Genoino para o PTB receber R$ 20 milhões do partido. Os petistas, disse Jefferson, só teriam cumprido, porém, um quinto do acerto. Teriam entregue R$ 4 milhões, em parcelas de R$ 2,2 milhões e R$ 1,8 milhão. O publicitário Marcos Valério teria entregue, em duas grandes malas, o dinheiro vivo em notas de R$ 50 e R$ 100. Mas Delúbio negou a versão. "Os numerários não são esses e a forma também não", garantiu. Limitou-se a essa questão, porém, as afirmativas do petista.
Ele negou, por exemplo, ter ingerência na nomeação de apadrinhados para cargos públicos no governo. "Não tive nenhuma influência na indicação de nenhum membro do governo, apesar de muitos serem meus amigos", garantiu. Na viagem à África, em que participou da comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele garantiu ter mantido apenas contatos políticos com representantes de partidos. "Fui ao Palácio do Planalto várias vezes apenas tratar de assuntos do PT ou do meu estado."
QUEM É ELE
Delúbio Soares de Castro, 49 anos, era tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) desde 2000. Nasceu em Buriti Alegre (GO), onde começou a atuação política na década de 1970, no Movimento da Anistia em Goiânia. É formado em Matemática pela Universidade Católica de Goiás e casado com Mônica Valente, ex-secretária de Administração do Município de São Paulo, na gestão da prefeita Marta Suplicy (PT). Foi um dos fundadores do PT, da CUT e do Sindicado dos Trabalhadores em Educação no Estado de Goiás (Sintego). Também atuou como tesoureiro nessas duas últimas entidades.
Até quando, Catilina (Delúbio), abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo zombará de nós essa tua conduta? (.) Não sentes que teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração todos aqui a conhecem? |
Indagações do relator da CPI dos Correios, Osmar Serraglio (PMDB-PR), valendo-se das palavras do filósofo, poeta e político romano Cícero, que nasceu em 109 aC, morreu em 62 aC