- 12 de novembro de 2024
O GLOBO
Bernardo de la Peña, Gerson Camarottie Ilimar Franco
BRASÍLIA
Aquebra do sigilo bancário de empresas de Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser o operador do mensalão, revelou ontem aos integrantes da CPI dos Correios que o dinheiro que jorrou das contas das agências de publicidade SMP&B e DNA no Banco Rural irrigou diversos partidos aliados do governo no Congresso. Com a análise inicial de 20% dos documentos de apenas uma das contas de Valério, ficou comprovado que deputados, dirigentes ou assessores de PT, PP, PL e até do PTB do deputado Roberto Jefferson (RJ), autor da denúncia de pagamento a políticos aliados, receberam dinheiro.
Às 22h, a CPI já tinha identificado 38 nomes envolvidos com saques nas contas das duas agências que somam R$ 25 milhões. Seriam R$ 20,6 milhões retirados da SMP&B e R$ 4,4 milhões da DNA.
Com a abertura de apenas parte das caixas de documentos recebidas do Rural - as que chegaram do Banco do Brasil ainda estavam fechadas - a CPI já encontrou dezenas de saques feitos diretamente por dois deputados, Carlos Rodrigues (PL-RJ) e Josias Gomes da Silva (PT-BA), e por assessores ou parentes de outros quatro deputados: os líderes do PT, Paulo Rocha (PA), e do PP, José Janene (PR), do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) e do deputado Paulo Delgado (PT-SP).
Até assessora do líder do PT recebeu
Documentos obtidos pelo GLOBO comprovam que a a mulher de João Paulo, a jornalista Márcia Regina Milanesi Cunha, fez pelo menos uma retirada de R$ 50 mil em dinheiro na agência do Rural em Brasília. O saque foi realizado em 4 de setembro de 2003, no mesmo período em que a SMP&B disputava licitação na Câmara durante a gestão de João Paulo.
A agenda de Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária de Valério, registra três encontros do publicitário com João Paulo em setembro e outubro de 2003. Em 3 de setembro, véspera do saque, Valério tomou café da manhã com o então presidente da Câmara na residência oficial, em Brasília. No dia 15 foi publicado edital para a contratação de agência de publicidade pela Câmara.
Saques perto do troca-troca
Saques feitos num carro-forte no Banco Rural, nos dias 6 de outubro (R$ 800 mil) e 7 de outubro (R$ 650 mil), aconteceram no mesmo período em que houve intenso troca-troca de deputados de partidos. No dia 4 de outubro venceu o prazo para filiação partidária de quem iria disputar a eleição municipal de 2004.
Entre os assessores de políticos, segundo integrantes da CPI, a maior quantia sacada foi entregue a João Cláudio Genu, ligado ao líder do PP na Câmara, José Janene: R$ 1 milhão, ainda de acordo com dados preliminares.
Já a assessora de Paulo Rocha, pelas contas dos parlamentares, sacou pelo menos R$ 320 mil. O ex-tesoureiro do PL Jacinto Lamas, segundo os documentos, fez saques totalizando R$ 200 mil. Uma das retiradas foi em 18 de novembro de 2003. Já Raimundo Ferreira, que é dirigente do PT do Distrito Federal, sacou R$ 100 mil.
O que surpreendeu deputados e assessores da CPI foi o fato de constar dos documentos enviados pelo Rural uma cópia da carteira de parlamentar do deputado Josias Gomes da Silva (PT-BA), que sacou por duas vezes R$ 50 mil, uma delas numa agência do Rural no Rio e outra na agência de Brasília.
Apontado inicialmente como assessor do deputado Vicentinho (PT-SP), por levantamento feito pelo PFL, Jair dos Santos, que aparece entre as pessoas que sacaram dinheiro, era na verdade ligado ao ex-presidente do PTB José Carlos Martinez, morto em outubro de 2003, e figura como vogal da executiva nacional do partido. Ele aparece como destinatário de um saque no valor de R$ 200 mil em 18 de dezembro de 2003. De acordo com relato recebido por integrantes da CPI, Santos teria sido motorista de Martinez e se tornou uma pessoa de sua confiança. Pela lista de pessoas que estiveram na agência do Rural em Brasília, Santos foi ao banco em cinco ocasiões.
O presidente do PT no Distrito Federal, Vilmar Lacerda, também sacou R$ 50 mil no Rural. Há entre os documentos recebidos pela CPI um bilhete de Geiza Dias para a gerente financeira da SMP&B, Simone Vasconcelos, dizendo que ele não foi retirar um dos saques combinados. Vilmar Lacerda, entretanto, já admitiu ter recebido dinheiro.
- Lamentavelmente, aquilo que Jefferson diz é tudo verdade. O governo pode desistir da sua Operação Paraguai - afirmou o deputado pefelista Onyx Lorenzoni (RS), logo após analisar os documentos.
Ex-assessor de tucano na lista
Mas não foram apenas aliados do governo Lula que receberam dinheiro do publicitário: um assessor do ex-ministro Pimenta da Veiga também faz parte da lista. Até agora, o segundo maior beneficiado pelos saques é o mineiro David Rodrigues Alves, que recebeu R$ 4,9 milhões. Alves recebeu, somente entre março e maio de 2003, R$ 3,3 milhões. Foram 11 saques no valor de R$ 300 mil cada. A CPI investiga quem é ele. Pelos dados analisados até ontem à noite, a pessoa que mais havia retirado dinheiro da conta da SMP&B era a gerente financeira da agência, Simone Vasconcelos. Até as 21h de ontem, os saques em nome dela chegavam a R$ 9 milhões.
A CPI investiga ainda se David Alves seria ligado a tucanos. O líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP), informou ontem que ele não tem relação com o PSDB de Minas.
- Ele não tem nada a ver com o governo de Minas. Nós checamos e a informação que recebemos de lá é de que ele não trabalha no governo.
Um destinatário do dinheiro da SMP&B que teria relações com os tucanos é Paulo Menecucci, que foi secretário de serviço de radiodifusão do Ministério das Comunicações em 1999, secretário-executivo do ministro Pimenta da Veiga em 2000 e diretor de Tecnologia e depois Comercial dos Correios entre 2001 e 2003.
O deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) disse ontem, após análise dos documentos, que a CPI não tem volta e que não dá para abafar mais nada, nem que chegue a outros partidos, inclusive o seu.