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Parece jogo combinado

Todos os parlamentares oposicionistas fizeram coro à impressão de Arthur. A coincidência de argumentos entre o que disseram Valério, Delúbio e, depois, o presidente, deu aos oposicionistas a impressão de que o presidente também teria participado da combinação.


Rudolfo Lago e Helayne Boaventura
Da equipe do Correio

No início da tarde de sexta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu uma entrevista à jornalista e produtora de vídeo independente Melissa Monteiro, que vive na França. A entrevista foi reproduzida na noite de domingo pelo programa Fantástico, da TV Globo. Ali, o presidente disse que a irregularidade cometida pelo PT, "do ponto de vista eleitoral, é o que é feito sistematicamente" por todos os demais partidos políticos. Somente na noite da mesma sexta-feira é que o publicitário Marcos Valério de Souza apareceu no Jornal Nacional, da TV Globo, dando a explicação de que tomou empréstimos para quitar dívidas de campanha do PT. E somente um dia depois houve a entrevista ao mesmo Jornal Nacional do ex-tesoureiro Delúbio Soares admitindo que o partido tinha despesas de campanha não contabilizadas, o famoso caixa 2. Antes disso, os dois tinham falado sobre o assunto com o Ministério Público, em depoimento reservado. Como pôde Lula, antes das entrevistas de Delúbio e Valério, já ter mencionado a prática de caixa 2? É o que perguntam os parlamentares de oposição.

"Delúbio foi a Belo Horizonte. Falou com Marcos Valério. O publicitário falou primeiro. Delúbio falou depois. E o terceiro, para minha tristeza, foi o presidente Lula. Ele próprio, falando como um habitante de uma cratera da Lua, e não como presidente da República, dando respaldo àquela história. É a peça mais pífia, mais desgastante, mais deplorável que se podia ouvir de um presidente da República", comentou o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM).

Todos os parlamentares oposicionistas fizeram coro à impressão de Arthur. A coincidência de argumentos entre o que disseram Valério, Delúbio e, depois, o presidente, deu aos oposicionistas a impressão de que o presidente também teria participado da combinação. "Tudo leva a crer que foi tudo combinado", acusou o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).

As circunstâncias da entrevista dada pelo presidente Lula levaram às desconfianças da oposição. Na véspera, durante entrevista coletiva com o presidente da França, Jacques Chirac, Lula evitou falar aos representantes dos jornais e emissoras de TV brasileiros que acompanhavam a sua viagem sobre a crise. Disse que só falaria sobre o assunto, "com muito prazer", quando retornasse ao Brasil. Então, na sexta, o presidente aceitou falar com Melissa, nos jardins da Residence Marigny, durante o intervalo das audiências que teve com o primeiro-ministro francês, Dominique de Villepin, e o presidente do Partido Socialista, François Hollande.

Documentário
Mais do que isso, as desconfianças aumentaram depois que os oposicionistas descobriram que, ao contrário do que foi dito no Fantástico, a entrevista não era para uma televisão francesa, mas para uma produtora de vídeo independente que, aparentemente, fazia um documentário sobre Lula. "Na que concedeu, o presidente indica que sabia do caixa 2 do PT, ao afirmar que isso era feito, sistematicamente, pelos partidos brasileiros. Mas isso ainda não tinha sido dito por Delúbio", destaca a cientista política Lúcia Hipólito.

Chamou também a atenção dos oposicionistas o tom ameno da entrevista, que deixava o presidente à vontade e não o apertava sobre as circunstâncias da crise. "O Brasil inteiro esperou a pergunta que não veio: o presidente sabia ou não sabia das irregularidades? Sabia ou não sabia do que se passava?", diz Agripino.

"Nem (o ex-presidente Fernando) Collor participou de forma tão ativa da Operação Uruguai", atacou o deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ). Para o líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (PSDB-SP), Lula parece ter sido convencido pelo mentor da versão combinada por Valério e Delúbio a aparecer para dar, com o peso da sua posição e popularidade, credibilidade à história. "É muito grave esse envolvimento sem aguardar o resultado das investigação. Ele deu respaldo à versão de dois facínoras", avalia Goldman.


Três entrevistas e uma versão
José Varella/CB/29.6.05
 

"(.) o Partido dos Trabalhadores estava em dificuldades financeiras, muitas dificuldades financeiras de honrar alguns compromissos e repassamos esses recursos, esses saques até foram a pedido do tesoureiro e sempre indicando as pessoas que iriam sacar ou a empresa para que iria ser transferido o recurso. Era um empréstimo exclusivamente ao PT"
Marcos Valério, empresário 15 de julho


Mônica Zarattini/Agência Estado/4.7.05
 

"(...) Porque as campanhas eleitorais, no Brasil, têm recursos não contabilizados. Acredito eu que são todos os partidos. Nós estamos assumindo, e eu estou assumindo, como o ex-tesoureiro do PT, essa questão perante a nação, o que nós fizemos nesse período de 2003, 2004: dinheiro não contabilizado"
Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT 16 de julho


Ronaldo de Oliveira/CB/5.7.05
 

"O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente. Eu acho que as pessoas não pensaram direito no que estavam fazendo. O PT tem na ética uma de suas marcas mais extraordinárias. E não é por causa do erro de um dirigente ou de outro que você pode dizer que o PT está envolvido em corrupção. Eu acho que a nova direção do partido saberá explicar para a sociedade o que aconteceu com o PT e o que vai acontecer daqui para a frente"
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República 17 de julho


Mercadante diz que é "comum"

O PT faz. Mas todo mundo faz também. Depois da entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à produtora de vídeo Melissa Monteiro, essa é a linha adotada pelo PT para se defender. O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), rechaçou a acusação dos oposicionistas de que Lula teria participado de uma ação combinada com o publicitário Marcos Valério de Souza e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. "É brincadeira pensar isso", reagiu. "O que fez o presidente foi uma constatação da fragilidade do sistema eleitoral brasileiro, que leva a essas irregularidades. Esse é um problema vivido por todos os partidos", disse Mercadante. O presidente da CPI dos Correios, Delcídio Amaral (PT-MS) também defendeu Lula. "Foi um depoimento sereno, de quem quer a apuração de tudo", afirmou.

Não há apenas coincidência entre a entrevista do presidente e as entrevistas veiculadas anteriormente de Valério e Delúbio. Em outros pontos, o que disse o presidente coincide também com um artigo do ex-presidente do PT José Genoino, publicado em alguns jornais.

Lula dissera que, por terem assumido cargos no governo, vários petistas tiveram de sair da direção do partido. "Como muitos dos seus quadros dirigentes históricos assumiram tarefas no governo, o partido se enfraqueceu em sua capacidade dirigente", escreveu o ex-presidente do PT. "É impressionante o Genoino admitir isso. Em 1998, ele foi o deputado com a maior votação do país. Como é que pode se considerar incapaz? Além do mais, todos os demais dirigentes são os mesmos de antes, incluindo Delúbio Soares (ex-tesoureiro)", comentou o líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP). Sobre as coincidências, o líder do governo tem outra explicação: "Eu quero acreditar que as coincidências decorrem do fato de que as versões contadas correspondem à verdade", avaliou Mercadante. (RL)

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