00:00:00

Crônica do Aroldo - Retransmissão de recados

Estamos em algum dia do mês de dezembro no final dos anos sessenta. Apesar da grave situação política enfrentada pelo Brasil, a vida na pacata cidade de Boa Vista era linda e pura. Os belos e saudáveis jovens que estudavam em outros estados se encontravam no lugarejo para gozar férias que, sem opções de lazer, os abrigava como se fossem uma única família.


Estamos em algum dia do mês de dezembro no final dos anos sessenta. Apesar da grave situação política enfrentada pelo Brasil, a vida na pacata cidade de Boa Vista era linda e pura. Os belos e saudáveis jovens que estudavam em outros estados se encontravam no lugarejo para gozar férias que, sem opções de lazer, os abrigava  como se fossem uma única família; como eram bonitas e animadas  as brincadeiras(1), alvoradas(2), e mingaus(3).

Naquele tempo não existia a ponte dos Macuxis sobre o Rio Branco; a travessia era feita na balsa do Chico Ribeiro, pequenas embarcações ou mesmo canoas. Cunhã-pucá, fazenda-modelo, pertencia ao seu Alcides Lima que, com dona Haidée, sua esposa, cuidava do local com muito carinho. Fazia gosto visitar aquele nicho sempre limpo e arrumado. Alcidinho e Alexandre, filhos do casal, também estavam na cidade para a temporada e programaram, num domingo, almoço naquele pedaço de paraíso. No agradável, limpo e ventilado terreiro, os jovens dividiam-se em grupos: alguns jogavam baralho; outros, dominó; outros, biriba; alguns conversavam descontraídamente; outros, numa roda de violão; alguns casais mais espertos sumiam por detrás de mangueiras e ingazeiras centenárias para pequenos momentos de amor. A festança, regada a batida de limão e de maracujá, já ia longe quando foi servido o almoço. Dona Haidée, evangélica, séria e altaneira sempre conduzia preces e graças ao Senhor antes das refeições. Todos, respeitosamente em silêncio à  volta da enorme e bem servida mesa, esperavam as palavras da devota senhora que, depois de alguns momentos de concentração, levantou a cabeça e abriu o verbo:

- Oremos...: Uns têm, mas não podem; outros podem, mas não têm. Nós que temos e podemos bendigamos ao Senhor... Senhor derrama tuas bênçãos sobre os irmãos aqui presentes e abençoa a comida que nos destes. Amém.

Alcidinho, espirituoso e irreverente, parafraseando o programa "O Mensageiro do Interior" da Rádio Difusora Roraima, acrescentou imediatamente, alto e bom som:

- Pede-se a quem ouvir este pedido, retransmiti-lo ao Destinatário!

(1)    Brincadeiras - reuniões dançantes em casas de família; (2) Alvoradas - festas-surpresa realizadas durante a madrugada de aniversários; (3) Mingaus - Matinês dançantes em clubes.

 

e-mail: [email protected]

 

 

Últimas Postagens