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ITAMAR FRANCO - Lula devia pedir a CPI

Eu acho que o Romero Jucá e o Henrique Meirelles deveriam entregar os cargos. Mas, se não saem, o presidente devia tirá-los. Se forem inocentes, voltam.



Ex-presidente diz que é preferível ''furar logo o furúnculo'' e que a manutenção de Jucá e Meirelles representa um ''quisto'' no governo

Leandro Loyola


O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se assemelha ao de Fernando Henrique Cardoso no empenho em abafar CPIs. Também é parecido nas mesuras ao ex-presidente Itamar Franco, premiado com postos diplomáticos de destaque por seus sucessores. ''Se foi para me manter longe, foi pior. As raízes trazem a gente de volta'', brinca Itamar, que já passou por Lisboa e Washington. Famoso por atitudes intempestivas, Itamar não é um homem comum. A maioria das pessoas adoraria morar no luxuoso Palácio Pamphilli, um magnífico edifício do século XVI, sede da Embaixada do Brasil na Itália. Itamar, não. De férias em Juiz de Fora até julho, o ex-presidente está de malas prontas para voltar à cidade - de olho numa candidatura ao Senado em 2006. Ele também é um dos poucos políticos que, apesar de ter direito, não requereram aposentadoria como ex-prefeito e ex-governador. Seus ganhos se resumem à aposentadoria proporcional como senador e ao salário atual. Na semana passada, Itamar recebeu ÉPOCA para uma entrevista no instituto que preserva a memória de seu governo. O andar alugado num prédio comercial em Juiz de Fora custa R$ 2.200 mensais, que ele paga do próprio bolso. Suas opiniões sobre FHC, a CPI dos Correios e a situação de alguns ministros de Lula explicam por que os presidentes preferem mantê-lo longe.

ITAMAR FRANCO

Fernando Barbosa/ÉPOCA

Dados pessoais
Mineiro de Juiz de Fora, tem 74 anos e duas filhas. Vive com a major Doralice Lorentz

Política
Ex-prefeito, ex-governador e ex-senador, foi presidente da República entre 1992 e 1994

Hoje
É embaixador do Brasil na Itália desde 2003. No governo Fernando Henrique, foi embaixador em Portugal e na OEA

ÉPOCA - Um dos primeiros aliados do governo Lula, o senhor tem feito algumas críticas. O que está errado?
Itamar Franco -
Fui o primeiro governador a declarar apoio ao Lula em 2002. Larguei meu partido, o PMDB, para apoiá-lo com mais ênfase. Mas, quando vejo a tentativa de barrar a CPI (dos Correios), a relutância em aumentar o soldo dos militares, a manutenção do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e do ministro da Previdência, Romero Jucá, que estão sob investigação, e a queda bastante complicada do Produto Interno Bruto, eu fico preocupado. Em 1994, eu deixei o governo com crescimento do PIB de 5,9%. O Brasil nunca mais cresceu tanto. O Lula está com uma série de problemas. Nós todos que depositamos esperança nele precisamos renovar essa esperança. Ele precisa voltar a ter sensibilidade social forte. Opreciosismo econômico desses técnicos não convém a um país que precisa crescer. É uma mentalidade exclusivamente financista, que busca apenas o mercado. O mercado não é tudo.

ÉPOCA - O que deveria ser feito primeiro?
Franco -
Eu acho que o Jucá e o Meirelles deveriam entregar os cargos. Mas, se não saem, o presidente devia tirá-los. Se forem inocentes, voltam. Henrique Hargreaves era meu ministro (chefe da Casa Civil) querido de muitos anos. Além da competência dele, havia uma amizade fraterna entre nós. Ele chegou e disse para mim que estava sendo acusado, teria de comparecer a uma CPI e pediu para ser demitido. E eu o fiz. Era preciso.

ÉPOCA - Por que é importante demitir um ministro nessa hora?
Franco -
Ele achava que se permanecesse sob suspeição traria problemas ao governo. Seria um quisto. É o que está acontecendo agora. Eu não entro no mérito, mas esses dois elementos (Jucá e Meirelles) são um quisto no governo Lula. E esse não é um governo qualquer. É um governo que tem responsabilidades na defesa dos interesses nacionais, do patrimônio público.

ÉPOCA - Não é difícil para o presidente tomar uma atitude dessas, levando em conta a necessidade de manter alianças políticas ou de manter a estabilidade econômica?
Franco -
Não é fácil, mas tem hora em que é preciso fazer. Eu tive o exemplo do Hargreaves e do ministro da Fazenda Eliseu Rezende. Veja só: ministro da Fazenda! Uma madrugada, eram 2h30, eu pedi ao Eliseu que fosse a minha casa. Eu falei: ''Eliseu, você sabe da estima que eu lhe tenho, mas, no momento em que o Senado começa a discutir se você pagou ou não sua conta em Nova York, não há como você continuar como ministro da Fazenda, porque sempre vai perdurar uma coisa menor, mas que é maior para quem é ministro da Fazenda. Então, por favor, eu não posso continuar com você''. Eu o exonerei naquela noite. Somos amigos até hoje. Você tira as pessoas e pode até voltar com elas depois, mas tem de mostrar à opinião pública que você está atento a qualquer sombra de irregularidade.

ÉPOCA - O custo político na base de apoio não torna isso mais difícil?
Franco -
Nesse aspecto, não, porque todos entenderam que eu estava certo na ocasião. Eu tive problemas depois na escolha de Fernando Henrique Cardoso. Recentemente, o presidente do Banco Central Europeu foi com a família a determinado hotel e, no dia seguinte, começou a se discutir quem tinha pago a despesa dele. É um sujeito riquíssimo - imagine, o presidente do BCE -, mas ficou aquele barulho. Dois dias depois ele foi demitido. Isso serviria para o Lula.

''A CPI atrapalha a política econômica? Conversa fiada! ACPI vai abalar o mercado? Conversa fiada! (...) Nem no período autoritário nós tivemos problemas para instaurar CPIs ''

ÉPOCA - E quando um aliado fica sob suspeição, como o PTB nos Correios e no Instituto de Resseguros do Brasil? Demitem-se os apadrinhados sob risco de perder apoio no Congresso?
Franco -
Você tem um grande instrumento que é a CPI. Nesse caso, você deve deixar o Congresso trabalhar livremente. É preferível furar logo o furúnculo que deixar que ele vá inflamando e contaminando outras partes do corpo. A CPI atrapalha a política econômica? Conversa fiada! A CPI vai abalar o mercado? Conversa fiada! O mercado é abalado por outras coisas e finge que é por causa da CPI. Nem no período autoritário nós tivemos problemas para instaurar CPIs. Eu, na oposição, presidi uma CPI no governo Geisel que investigou o acordo nuclear Brasil-Alemanha, que era o doce de coco do governo. Um dos relatores foi o senador Jarbas Passarinho, aliado do governo, que atuou com a maior isenção. Essa CPI conseguiu rasgar o véu de mistério que cercava o acordo militar. Não sofremos nenhuma pressão.

ÉPOCA - Então, abafar CPI é um mau negócio?
Franco -
É um péssimo negócio. É péssimo para o presidente. E triste para o país.

ÉPOCA - O governo alega que a CPI é apenas um instrumento da oposição para antecipar o debate eleitoral de 2006. Não há o risco de ela se transformar num palanque?
Franco -
Conversa! Sabe por quê? De modo geral, uma parcela da opinião pública, infelizmente, não toma conhecimento da CPI. Só toma conhecimento quando ela atinge um grau maior de intensidade. No início, o povo olha com certa desconfiança, ou nem olha. Dizer que começa aqui o processo de 2006, não. O processo de 2006 começa por outros problemas, não pela CPI. Vai iniciar porque possivelmente a oposição vai se agarrar na queda do PIB.

ÉPOCA - Se o senhor pudesse, aconselharia o presidente a demitir Jucá, Meirelles, aceitar a CPI...
Franco -
Ele não vai aceitar meu conselho, apesar da estima que ele sabe que tenho por ele. Pode ser até que ele não tenha por mim... Se ele me chamasse e perguntasse: ''Itamar, você já esteve aqui. O que você acha?''. Eu diria: ''Presidente, não permita esse quisto. Não permita que seu governo se manche quando o senhor é um homem limpo, senão daqui a pouco lhe misturam''.

ÉPOCA - O senhor acha que o governo está desatento ao Congresso?
Franco -
Acho que sim. No meu entendimento, o governo erra em manter na coordenação do Congresso uma figura parlamentar (o ministro Aldo Rebelo, do PCdoB). Por mais que ela seja competente, sempre traz desconfiança dos outros parlamentares. Tinha de ser uma figura neutra, porque todos ficam suspeitando que está puxando a brasa para ele, que está pensando na reeleição dele. No meu entendimento, nunca poderia ser um homem da ativa. Nem o meu querido José Dirceu deveria ser o coordenador político do governo, porque ele é o chefe da Casa Civil. Não se devem misturar as duas coisas. Nós sabemos: ele será o homem que comandará a reeleição do presidente, que não tem outro homem tão capaz para isso. Mas na articulação com o Congresso é preciso um homem neutro, que dê liberdade de ação.

ÉPOCA - A desunião no PT é um problema?
Franco -
O PT de repente se viu jogado para comandar o país. Há aqueles que gostariam de que o país fosse comandado de acordo com a pregação de ä campanha e aqueles que entendem que o partido deveria ter uma velocidade mais adequada às circunstâncias do momento. Essa ambigüidade, se permanecer, prejudicará o presidente. É preciso que eles juntem as forças. Se não for possível, que o presidente tenha pelo menos um bloco consolidado para voltar às ruas. Se for para as ruas dividido em seu próprio partido, complicará sua reeleição.

ÉPOCA - O presidente Lula fica irritado com críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que, por sua vez, parece se deliciar com as reações. O senhor já esteve no lugar dos dois. Qual é a diferença entre eles?
Itamar -
Lula fala primeiro e pensa depois. É um homem sincero. Fernando - e eu sou um expert em Fernando hoje - pensa primeiro e fala depois. Só que fala o que a platéia quer ouvir. Lula não devia ficar se lamuriando por Fernando estar falando, porque eles são diferentes. Lula não deveria se preocupar porque é um homem simples, é um homem do povo (e tomara que continue sendo), enquanto Fernando não era, mas se tornou um homem arrogante e vaidoso. Um domingo, eu já na Presidência da República, no Palácio da Alvorada, o Fernando Henrique foi me visitar antes de ir para a fazenda dele. Ele tinha um Lada, um carro russo, um carro miserável. Essa lata velha encrencou na garagem e quem empurrou fui eu. Hoje eu não sei se ele tem Mercedes, mas naquele dia ele tinha um Lada. E lá fui eu empurrar o Lada, que era pesadinho, deu trabalho...

Fernando Barbosa/ÉPOCA
''Fernando Henrique não era, mas se tornou um homem arrogante e vaidoso. Ele tinha um Lada, um carro russo, miserável. Essa lata velha encrencou na garagem (do Alvorada) e quem empurrou fui eu''

ÉPOCA - Quando o senhor acha que se deu essa transformação?
Franco -
Eu não falo do Fernando Henrique com raiva. Mas o governo fez mal a ele. Agravado por uma reeleição ainda não explicada. Não foi uma reeleição correta, normal; quebrou a cultura política brasileira e quebrou anos e anos de Constituição. Ao mesmo tempo, levou nosso partido, o PMDB, para o fundo do poço em que até hoje está. Dividiu de uma maneira que até hoje não se reuniu.

ÉPOCA - Com os erros que cometeu, FHC pode criticar o governo Lula?
Franco -
Numa democracia qualquer cidadão pode criticar. Quando é um ex-presidente, deve ter uma medida de crítica, para evitar uma crise institucional. Mas proibir de criticar não pode. O Fernando Henrique dá a entender que inventou o Brasil e inventou a democracia no Brasil. A memória política é fraca. Os governantes acham que estão inventando o país ou o Estado quando assumem. Eles esquecem que são um somatório dos anteriores. É o somatório que permite fazer alguma coisa. Outro dia uma jovem me mostrou um livro em que a Presidência pulava de Sarney para Fernando Henrique.

ÉPOCA - Por que o senhor quer deixar a embaixada na Itália?
Franco -
Fui para ficar um ano e acho que cumpri minha missão.

ÉPOCA - Várias críticas foram feitas ao senhor na condução da embaixada. Dizem que passa muito tempo no Brasil e não faz reuniões de negócios por não falar italiano.
Franco -
Eu entendo italiano, entendo bem espanhol e leio em inglês - mas não falo. Dá para quebrar o galho. Faço poucas reuniões de negócios porque a diplomacia mudou. Hoje é o presidente e o chanceler que pegam o telefone e falam diretamente. Não é o embaixador que faz negócios. Pior é quando o embaixador faz negócios para ele. Sai da embaixada e vai servir a multinacional. Não estou dizendo que são todos, mas alguns vão. Eu entendo que os diplomatas de carreira estejam emburrados comigo, mas, se eles quiserem debater política internacional comigo, eu me submeto a um debate público com qualquer um deles. Tenho o maior respeito pelo Itamaraty, pelo curso que ele faz, mas estou apto. Não só como ex-presidente, mas como embaixador. Não venham dizer que eu não conheço o assunto. Se a função tivesse de ser só para quem faz carreira, inventariam o seguinte no Brasil: o presidente da República só poderia ser sociólogo, o ministro de Estado só poderia ser economista e o parlamentar teria de ser homem que tenha diploma de curso superior. Mas sobretudo o presidente teria de ser sociólogo.

ÉPOCA - O senhor gosta da função diplomática?
Franco -
Não é que eu goste. Exercitei minha missão tendo diariamente um diálogo com todos os diplomatas, em que abordávamos a parte italiana, a parte mundial e a parte brasileira - como eram diplomatas que já estavam havia sete, oito anos fora do país, eu propunha discussões sobre o Brasil para que eles não perdessem a identidade. Senão, o que acontece? Eles colocam os filhos nas escolas inglesas, francesas e começam a perder um pouco da sensibilidade do país. Como nós temos cinco embaixadores, propus uma reunião entre os cinco para que trocássemos idéias sobre o que poderíamos trabalhar em conjunto. Eu cumpri minhas obrigações. É claro que vão dizer: ''Ah, mas não deu festa''. É porque não é o meu estilo.

ÉPOCA - O senhor está deixando um posto badalado, confortável e bem pago. É para ser candidato ao Senado em 2006?
Franco -
Ainda não sei. Vou conversar com meu partido e com o governador Aécio Neves. Aliás, acho que o Aécio tem tudo para chegar lá, desde que abandone um pouco seus marqueteiros. O partido é que vai dizer se serei candidato ao Senado. Será que o Senado ainda é o meu Senado? Eu cheguei lá em 1974, na primeira eleição direta, no meio do governo Geisel. Eu mentiria se dissesse que não quero, mas não posso dizer que vou. Se o destino for voltar à vida pública, ótimo. Se for andar pelo mundo afora, eu vou.

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