- 12 de novembro de 2024
Ana d´Angelo
Do Estado de Minas
Não é só a crise política gerada pelas denúncias de corrupção que o Palácio do Planalto tem que debelar. Está cada vez mais difícil para o governo conter a insatisfação nos quartéis. O último Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento, referente a fevereiro deste ano, revela que os militares em atividade vêm perdendo espaço no bolo dos gastos com pessoal da administração pública federal nos últimos anos. Mostra ainda que o governo vem, desde 2002, desembolsando menos com os gastos correntes da categoria, enquanto as despesas com o pessoal civil do Executivo, do Judiciário e do Legislativo estão cada vez maiores.
O levantamento acirra ainda mais a crise na caserna. Os militares cobram do governo o reajuste de 23% prometido para março deste ano e que até hoje não saiu. O índice refere-se à complementação da correção negociada desde a gestão do então ministro da Defesa José Viegas no início de 2004, de 35,4%. Em setembro, foi concedido reajuste de 10%. O restante deveria sair este ano. O Palácio do Planalto responde que não há dinheiro no orçamento e, recentemente, chegou a atrelar qualquer aumento salarial à redução do eterno déficit da Previdência Social.
De acordo com o levantamento do Planejamento, o custo mensal aos cofres públicos de cada militar ativo se manteve praticamente estável de 2002 a 2004, tendo até ligeira queda no ano passado, variando de R$ 1.930 a R$ 1.913 no período. Assim, nesse período, o desembolso total acabou caindo também, de R$ 8,3 bilhões para R$ 7,7 bilhões, mesmo havendo aumento do quantitativo de pessoal nos quartéis. Ainda que sejam contabilizados os gastos com os inativos, a média por militar fica em R$ 2.507 e continua sendo a mais baixa entre o funcionalismo dos três Poderes.
Há quatro anos, o gasto médio por integrante das Forças Armadas era menor ainda, de R$ 1.493. Somente em 2002, o custo médio por militar teve uma elevação de 29%. Já os servidores civis ativos do Executivo e os do Judiciário e do Legislativo vêm consumindo mais recursos públicos a cada ano desde 2001.
Década de arrocho
Os funcionários do Executivo custam hoje R$ 4.413 por mês cada um. Isso representa aumento de 83% das despesas em relação a 2001, quando o custo médio por servidor era de R$ 2.410. Esses valores incluem todos os gastos com pessoal ativo da administração direta e indireta, englobando, além dos salários e encargos, vantagens pessoais, diárias, horas-extras, diferenças atrasadas e sentenças judiciais.
No Legislativo, a despesa média por servidor passou de R$ 6.413 para R$ 8.640 no período (variação de 35%) e, no Judiciário, de R$ 6.270 para R$ 8.704 (elevação de 39%). No último caso, os valores incluem diferenças pagas a magistrados entre 2003 e 2004 decorrente do pagamento de diferenças salariais que não teriam sido concedidas no passado.
As estatísticas do governo revelam ainda que, na última década, as despesas com militares ativos são as que menos cresceram. Entre 1995 e início de 2005, variaram 109%, sem descontar a inflação do período. Os gastos com pessoal civil ativo do Executivo subiram 196%, do Legislativo, 127% e do Judiciário, 244%. Há dez anos, o servidor civil do governo federal custava em média 50% mais que o militar. Hoje, essa diferença já está bem maior, 121%.
Em 1995, o gasto médio por funcionário do Legislativo e do Judiciário era 309% e 172% maior que os dos membros dos quartéis, respectivamente. Atualmente, a diferença está em torno de 360% em ambos os casos.
Menor fatia
A conseqüência é que os militares em atividade vêm recebendo a cada ano fatia menor dos recursos públicos, enquanto aumenta a dos demais servidores da União. Em 2002, a folha de pessoal dos quartéis consumia 11,1% do dinheiro destinado a custear a despesa com todo o funcionalismo. No início de 2005, esse percentual já havia caído para 8,6%. Já os civis do Executivo aumentaram sua participação, de 30,3% para 32,7%, no período. O mesmo ocorreu com os funcionários do Legislativo e do Judiciário.
Os custos com as aposentadorias e pensões dos militares são os que mais pesam na folha de pessoal da categoria, em virtude de privilégios do passado que garantiam, por exemplo, pensão a filha de militares que não se casassem. Em relação aos civis do Executivo, os militares reformados e seus pensionistas recebem benefícios maiores na média, mas inferiores aos inativos do Judiciário e do Legislativo.
A insatisfação nos quartéis não é só com defasagens salariais, mas também com a falta de recursos para comprar equipamentos de treinamento e renovação de frotas, fato que foi abordado em e-mail que correu recentemente os computadores pelo país afora, falando em "sucateamento" das Forças Armadas e conseqüente incapacidade de defender nossas fronteiras e soberania em caso de necessidade.
Apesar do clima de insatisfação, os comandos das Forças Armadas ainda cobram disciplina e respeito à hierarquia dos soldados e oficiais. É o que os impede de reivindicarem publicamente o reajuste dos salários. É exatamente nessa disciplina que o governo se escora para cozinhar o aumento da categoria em banho-maria enquanto incha a máquina pública com aumento do número de cargos de confiança distribuídos pelo governo a petistas e aliados. "A preocupação é ver essas senhoras se expondo", afirma o sargento da reserva do Exército Abílio Teixeira, a respeito das manifestações feitas pelas mulheres dos militares.
As negociações para correção salarial dos militares foi conduzida pelo então ministro José Viegas, que anunciou, em julho do ano passado, o aumento em duas etapas, com a anuência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em setembro, Viegas já não estava mais no governo, e o aumento de 10% foi anunciado pelo então ministro Guido Mantega, que também já deixou a pasta e foi para o BNDES.
Cobrado, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, alega que a segunda parcela, de 23%, não foi incluída no Orçamento-Geral da União deste ano. Sem a previsão orçamentária, argumenta ele, não há como conceder o reajuste.
Protestos no Rio e em Brasília
Cerca de 600 militares reformados e parentes de militares fizeram ontem em Copacabana, no Rio de Janeiro (foto acima), um protesto contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por não cumprir promessa de dar reajuste este ano de 23% para os soldos das Forças Armadas. O capitão-de-mar-e-guerra reformado Jaime Cezar Gerin Guimarães, cobrou de Lula, chefe supremo das Forças Armadas, que cumpra a palavra empenhada em 2004. "Se o chefe garante e não faz, isso balança a hierarquia", disse. Em Brasília (foto ao lado), as integrantes da União Nacional das Esposas de Militares das Forças Armadas (Unemfa), que estão acampadas há cerca de um mês em frente ao Itamaraty, fizeram, com faixas e rostos pintados de verde e amarelo, mais um protesto por reajuste salarial para os maridos. |