Paus, pedras, cassetetes e bandeiras voando no céu da Esplanada dos Ministérios acabaram com o clima de paz que marcou ontem os 17 dias da marcha do trabalhadores sem-terra. Tudo ia bemmas a tentativa de um grupo de manifestantes de invadir o Senado deflagrou uma batalha entre policiais militares e manifestantes. Saldo: 50 pessoas feridas.
Trabalhadores sem-terra e policiais militares entram em confronto em frente ao Congresso: 50 feridos André Carravilla e Paloma Oliveto Da equipe do Correio
Wanderlei Pozzembom/CB
Depois de uma manifestação pacífica, que começou na embaixada dos EUA, passou pelo Ministério da Fazenda e Palácio do Planalto, sem-terra enfrentaram batalhão da pm
Daniel Ferreira/CB
Fora, Tio Sam! Em frente à embaixada dos Estados Unidos, manifestantes atearam fogo na bandeira americana
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Descontrole policial Confusão começou no final da tarde, quando policiais militares revidaram agressões dos sem-terra
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Fim do conflito A senadora Heloísa Helena (Psol-AL), com o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), intercede junto à PM
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Vítimas da batalha No início da noite, feridos do MST eram levados aos hospitais de Base e Regional da Asa Norte
Paus, pedras, cassetetes e bandeiras voando no céu da Esplanada dos Ministérios acabaram com o clima de paz que marcou ontem os 17 dias da marcha do trabalhadores sem-terra. Até as 17h, o último dia da caminhada transcorria sem confusão. Mas a tentativa de um grupo de manifestantes de invadir o Senado deflagrou uma batalha entre policiais militares e manifestantes. Ao todo, 50 pessoas ficaram feridas. Vinte e um manifestantes e 11 soldados foram levados aos hospitais de Base e Regional da Asa Norte (Hran). Pernambucana, a sem-terra Érika Pereira da Silva, 23 anos, grávida de quatro meses, levou um golpe de cassetete na barriga. Foi transferida para o Hospital Regional da Asa Sul, onde passou a noite sob observação. Ninguém foi preso. Enquanto a pancadaria tomava conta do gramado do Congresso Nacional, 40 líderes dos sem-terra encontravam-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto.
O MST acabava de chegar ao local, depois de uma manifestação pacífica em frente ao Ministério da Fazenda, quando a pancadaria começou. Cerca de 70 sem-terra tentaram entrar no prédio. Foram surpreendidos pela viatura modelo Pólo, onde estavam três policiais, incluindo o comandante da operação, major Neviton Pereira. O carro foi apedrejado, chutado e socado pelos manifestantes. Quando os PMs desceram da viatura, começaram a ser agredidos. O policial militar Washington Borges quebrou a mão depois de levar uma paulada.
O helicóptero da Polícia Militar que sobrevoava o Congresso Nacional acionou a cavalaria, que se posicionou em frente ao Ministério da Justiça. Quando viram os 34 cavalos chegando, os sem-terra começaram a atirar os mastros das bandeiras, além de pedras e garrafas. Um dos PMs quebrou o nariz ao levar uma pedrada e teve se passar por uma cirurgia no hospital Unimed. Outro sofreu uma pancada no olho e também teve de ser operado. "Isso foi cachaça. Já tenho muita experiência em eventos e sempre procuro fazer com que se desenrolem da maneira mais democrática possível", afirmou o major Nevilton Pereira.
Os policiais avançaram e desferiram golpes de cassetete em quem estivesse na frente. A reportagem do Correio testemunhou o espancamento de um rapaz que, mesmo caído no chão, foi agredido por cinco policiais. O estudante de Filosofia Gabriel Silveira Antunes, 20 anos, simpatizante da causa dos sem-terra, assistiu a uma cena semelhante. Viu um jovem, estirado no chão, apanhar de dois soldados. Gabriel tentou salvá-lo e levou um golpe no braço. Deitado no asfalto, enquanto esperava socorro, o estudante reclamava da truculência da polícia. "Eu não estava armado, não estava segurando nada. Simplesmente começaram a bater em mim", contou, dizendo que sentia o corpo dormente. Chorando, o sem-terra Aldori Alves, 28 anos, de Santa Catarina, afirmou que só estava segurando a bandeira do movimento quando foi atacado. Recebeu golpes no estômago. Antes de ser atendido, reclamava de falta de ar e dores na barriga.
Discurso "Vai chegar um dia em que os trabalhadores policiais não vão mais bater nos trabalhadores rurais. Vão se unir e perceber que os inimigos são os ratos de terno que moram nessa cidade de concreto", discursou a senadora Heloísa Helena (PSol-AL), em cima do carro de som. Graças à parlamentar, o clima de guerra esfriou. Segurando a rédea de um dos cavalos, a senadora pediu ao major Neviton Pereira que os policiais recuassem. O comandante da operação aceitou o pedido e ordenou que os soldados fizessem um cordão de isolamento.
Coordenador nacional do MST, João Pedro Stedile afirmou que foram os policiais que provocaram os trabalhadores e insinuou que a polícia estaria a serviço de grupos internacionais. "Eles são pobres coitados que ganham menos do que nós. Estão sendo pagos pelos banqueiros e pelos norte-americanos para nos provocar. Caminhamos 17 dias com policiais rodoviários federais, sem que ocorresse nenhum incidente. Foi só chegarmos a Brasília que oficiais da PM disseram que nós não íamos poder passar pela Embaixada dos Estados Unidos e que 30 mil soldados iriam fazer a segurança. Foi uma provocação", criticou. Segundo a Polícia Militar, 1,2 mil soldados estavam nas ruas. Stedile disse que o objetivo dos policiais era fazer com que a imprensa desse mais espaço ao incidente do que às possíveis conquistas do movimento.
Parada A marcha saiu do estacionamento do estádio Mané Garrincha às 13h, tendo como primeira parada a embaixada norte-americana. Lá, 200 policiais esperavam por eles. A manifestação foi pacífica, mas suja. Os sem-terra jogaram papéis, latas, embalagens, jornais e sacos de plástico na calçada em frente ao prédio, para "devolver aos Estados Unidos o lixo que eles nos impõem", segundo as palavras de ordem proferidas do alto de um dos carros de som. Depois, atearam fogo numa bandeira norte-americana feita de papelão.
De lá, os manifestantes seguiram para o Ministério da Fazenda, passando pela frente do Palácio do Planalto. Alguns ensaiaram uma invasão ao prédio, mas foram contidos pelos próprios líderes do movimento. Saudados por funcionários públicos, que acenavam das janelas, chegaram à Fazenda, descrito como "o prédio vendido aos banqueiros e aos Estados Unidos". A praticante do candomblé Maria Dominga Silva Santos, da delegação do MST da Bahia, aproveitou a parada e benzeu os 300 policiais que faziam a segurança do ministério, com água de cheiro.
Em frente ao prédio, os sem-terra hastearam cinco bandeiras norte-americanas em um mastro improvisado, onde também penduraram uma águia de papelão, ave símbolo dos Estados Unidos. "Essas são as garras do império que nos domina", gritava uma manifestante, no alto do carro de som. Colaborou Renato Alves