- 12 de novembro de 2024
RUBENS VALENTE
ANA FLOR
Folha de S. Paulo
No auge da campanha eleitoral de 2004, o caixa da direção nacional do PT recebeu R$ 12,9 milhões de empresas, principalmente empreiteiras e coletoras de lixo, mas aproveitou uma brecha legal para transferir o dinheiro para campanhas de diversos candidatos. Entre as maiores beneficiadas estão os candidatos Marta Suplicy (SP) e Jorge Bittar (RJ).
As doações de pessoas jurídicas ao PT nacional foram o dobro da soma de todos os tipos de contribuições, feitas por parlamentares, filiados e simpatizantes.
Esse tipo de doação explodiu no primeiro ano de eleições durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva -foram apenas R$ 1,1 milhão no ano de 2003, e R$ 3,3 milhões, em 2002.
O PT repete o mesmo fenômeno vivido pelo PSDB. Em 2002, ano eleitoral sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, a sigla arrecadou R$ 12,5 milhões em doações de pessoas jurídicas só no diretório nacional.
Em 2004, ano de eleições municipais, o PT também foi, de longe, o que mais acolheu esse tipo de doação entre os diretórios partidários nacionais. O PSDB recebeu R$ 2,2 milhões, o PFL, R$ 760 mil, e o PL, R$ 361 mil.
Sem exposição
Esse tipo de doação direta das empresas aos partidos, prevista em lei, tornou-se uma forma oculta de ajuda às campanhas eleitorais -a empresa e o candidato não se expõem, porque não há publicidade oficial da contribuição no site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na internet nem na prestação de contas da campanha do candidato.
A empresa não se vincula diretamente ao candidato -situação ideal se a doadora for uma prestadora de serviços contratada por um administrador que está concorrendo à reeleição.
A candidata à prefeitura paulistana Marta Suplicy, por exemplo, declarou oficialmente ter recebido apenas R$ 100 mil da empresa coletora de lixo Qualix Ambiental na última campanha eleitoral.
No entanto, os documentos que foram entregues ao TSE no dia 30 de abril pelo tesoureiro do PT nacional, Delúbio Soares, revelam que a Qualix Ambiental doou para Marta, por meio indireto, seis vezes mais do que o conhecido e divulgado até então.
A empresa era contratada da gestão de Marta para realizar serviços de varrição e de coleta de lixo em São Paulo -a empresa não revelou os valores. Em 16 de de setembro, na campanha do primeiro turno, entregou pelo menos R$ 600 mil ao PT nacional.
Trajetória
Os documentos de saída do dinheiro, entregues pelo partido ao Tribunal Superior Eleitoral, mostram que, no mesmo dia, esses R$ 600 mil partiram do caixa nacional para o caixa do diretório municipal do PT de São Paulo.
Numa seqüência rápida de transferências, no mesmo dia 16 os R$ 600 mil foram contabilizados na prestação de contas de Marta Suplicy. Esta parte, sim, é revelada no site do TSE na internet, mas a origem dos R$ 600 mil é "Partido dos Trabalhadores", e não a Qualix Ambiental.
Nos mesmos dias, operação semelhante ocorreu com a Embraer, empresa de aviação sediada em São José dos Campos (SP). Ela doou R$ 500 mil para o PT nacional no dia 15 de setembro. Um dia depois, o dinheiro chegou ao comitê de campanha de Marta.
Oficialmente, na prestação de campanha enviada ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo, a Embraer nada doou para a então prefeita de São Paulo.
O caixa da candidata Marta Suplicy recebeu R$ 1,7 milhão do diretório nacional entre agosto e início de outubro do ano passado -sem contar os repasses do fundo partidário, de R$ 2,4 milhões. O valor representa mais de 10% do total de receitas declaradas por Marta, R$ 16,7 milhões.
O candidato derrotado do PT no Rio de Janeiro, Jorge Bittar, recebeu R$ 780 mil (34% do total declarado de R$ 2,2 milhões).
Outro candidato petista bem aquinhoado pela direção nacional do partido foi a senadora Ana Júlia Carepa, candidata derrotada na disputa pela prefeitura de Belém (PA), que recebeu R$ 600 mil, 25% do valor total de sua arrecadação (R$ 2,4 milhões).
Período eleitoral
Nos últimos anos, a tática de doação das empresas para os caixas partidários, que o ex-ministro do TSE Torquato Jardim chama de "buraco negro das doações de campanha", vem crescendo e se espalhando por diversas siglas, com claras intenções eleitorais.
As doações empresariais sempre se concentram nos meses de maior atividade eleitoral.
Os R$ 2,2 milhões recebidos de empresas pelo diretório nacional do PSDB, por exemplo, se concentraram entre 1º de setembro e 5 de outubro (data do primeiro turno das eleições). A empresa que mais ajudou os tucanos foi a Rio Doce Manganês, uma subsidiária da mineradora Vale do Rio Doce, com R$ 1 milhão.
O PFL, que nada arrecadara de pessoas jurídicas em 2003, recebeu R$ 760 mil entre 31 de agosto e 28 de setembro. O PL, da base aliada do PT, recebeu, apenas da empreiteira OAS, R$ 250 mil no dia 14 de setembro.
Outro lado
A Qualix Serviços Ambientais disse que sempre faz doações de maneira aberta e para o diretório nacional. "Depois o diretório nacional designa o dinheiro da forma que achar mais conveniente", disse o assessor de imprensa da empresa, Carlos Brickmann.
Segundo a empresa, que afirma ser credora da prefeitura de São Paulo, as doações seguem a legislação e "são sempre feitas para a instituição partido, não a candidatos individuais".
O presidente nacional do PT, José Genoino, não comentou a forma de repasse das doações ao diretório nacional. Procurada pela Folha, a assessoria da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy também não se manifestou.
A Folha revelou o sistema de doações subterrâneas em agosto de 2004. Na época, embora reconhecesse a legalidade da prática, o TSE anunciou que passaria a tornar públicas, em seu site na internet, também as contas dos partidos, a exemplo do que ocorre com as prestações dos candidatos.
Os partidos entregaram suas contas ao TSE, para análise, no último dia 30.