- 12 de novembro de 2024
Demétrio Weber - O Globo
BRASÍLIA - Quase um terço da população brasileira (30%) tem ou já teve em casa um animal silvestre, a maioria pássaros. É o que mostra pesquisa do Ibope encomendada pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) e divulgada nesta quinta-feira. O levantamento revela que 75% dos entrevistados temem que o Brasil seja invadido por outros países por conta de suas riquezas naturais. Os mais jovens, aqueles com ensino médio e os com renda familiar entre cinco e dez salários-mínimos são os mais temem essa invasão. Já 71% dos entrevistados acham que o país não respeita o meio ambiente. O Ibope ouviu 2.002 pessoas de 16 anos ou mais, em 143 municípios, em todos os estados e no Distrito Federal. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos.
O ex-ministro do Meio Ambiente e relator da CPI da Biopirataria na Câmara, deputado Sarney Filho (PV-MA), afirmou que o tráfico de animais silvestres só perde, em termos de lucratividade, para o tráfico de drogas e armas. Quanto ao temor de que o Brasil seja invadido por outras nações, Sarney Filho disse que isso é "mito", mas admitiu uma preocupação real de que a soberania brasileira sobre a Amazônia seja ameaçada, se o país não for capaz de preservar a floresta.
- O que atenta contra a nossa soberania são os índices de desmatamento - disse Sarney Filho, aproveitando para defender a demarcação de reservas indígenas como forma de preservar o meio ambiente.
O presidente da CPI da Biopirataria, deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP), fez com coro com Sarney Filho. Segundo Thame, o crescente desmatamento da Amazônia passa para o mundo a idéia de que "o governo brasileiro é impotente, suscitando a questão da autoridade internacional". O presidente da CPI destacou ainda o valor comercial de remédios fabricados a partir de princípios ativos encontrados na floresta, o que aumenta a cobiça internacional sobre a biodiversidade brasileira. O deputado defendeu maior controle sobre as reservas ecológicas.
O coordenador-geral da Renctas, Dener Giovanini, considerou preocupante o fato de 30% dos entrevistados - o equivalente a cerca de 54 milhões de pessoas - admitirem que têm ou já tiveram um animal silvestre em casa. Segundo ele, esse número indica o tamanho do mercado consumidor. No Brasil, só estabelecimentos licenciados pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) podem vender animais silvestres, mas o que predomina é o comércio ilegal. O índice é maior no Nordeste, onde alcança 39%, e menor no sul, onde cai para 18%.
A Renctas estima que o tráfico ilegal de animais no Brasil movimenta cerca de US$ 1,5 bilhão por ano, valor que chegaria a cerca de US$ 25 bilhões em escala mundial. Uma única arara azul pode ser vendida por US$ 60 mil nos Estados Unidos, segundo Giovanini.
A pesquisa mostra que a maioria dos entrevistados (84%) sabe que é crime ter um animal silvestre em casa. De acordo com Giovanini, isso indica que as campanhas preventivas devem mudar de foco. Ou seja, em vez de dizerem que é ilegal ter animais silvestres, algo que a maioria dos brasileiros já sabe, mais importante agora é conscientizar a população sobre os males e riscos envolvidos.
Giovanini cita a ameaça de extinção de espécies, uma vez que um simples papagaio retirado da mata interrompe o ciclo reprodutivo daquele animal. Em outras palavras, um papagaio preso numa gaiola não terá filhotes. Além disso, os animais fazem parte de cadeias alimentares e reprodutivas do meio ambiente. O papagaio, por exemplo, come frutas e ajuda a semear árvores ao espalhar sementes junto com as fezes. Grave também, alerta o coordenador da Renctas, é o risco de transmissão de doenças, uma vez que animais silvestres vivem no meio da mata e estão expostos a todo tipo de vírus.
- Muita gente não sabe que o macaco transmite raiva e febre amarela, que o tatu transmite lepra e que tartarugas são transmissoras de leishmaniose - disse o coordenador-geral.
Para a Renctas, a legislação que proíbe o tráfico de animais silvestres deveria ser mais rigorosa. Giovanini disse que a pena máxima por compra, venda, posse ou transporte de animais é de um ano e meio de prisão, mais multa de R$ 5 mil por animal. O problema, no entanto, é que eventuais condenações podem ser transformadas em prestação de serviços comunitários, pois o sistema jurídico brasileiro considera como de baixo poder ofensivo os crimes punidos com penas de até dois anos. Para Giovanini, as ONGs e o governo devem fazer campanhas de conscientização.
- Só o fato de ser crime não está impedindo as pessoas de terem animais em casa - resumiu ele.
A pesquisa do Ibope mostra ainda que 63% dos entrevistados estariam dispostos a pagar mais caro por um produto, desde que parte do dinheiro fosse aplicado na proteção do meio ambiente. E apenas 29% dos entrevistados disseram confiar no trabalho das ONGs que cuidam da defesa do meio ambiente.