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Lula criou reserva indígena sem informações claras

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teria sido suficientemente informado sobre as reais circunstâncias da demarcação de Raposa Serra do Sol, em Roraima, no extremo norte do país, fronteira com a Venezuela e a Guiana. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e o presidente da Fundaç ão Nacional do Índio, Mércio Gomes, não teriam municiado o presidente das informações corretas.


Brasília - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teria sido suficientemente informado sobre as reais circunstâncias da demarcação de Raposa Serra do Sol, em Roraima, no extremo norte do país, fronteira com a Venezuela e a Guiana. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e o presidente da Fundaç ão Nacional do Índio, Mércio Gomes, não teriam municiado o presidente das informações corretas.

A reserva foi demarcada de forma contínua pela Portaria 534, de 14 de abril de 2005, do Ministério da Justiça, com base em relatório da Fundação Nacional do Índio (Funai) - considerado viciado pelo senador Augusto Botelho (PDT-RR). No mesmo dia, o presidente homologou a reserva, com 1.743.089 hectares a nordeste de Roraima, engolindo o quadrilátero dos arrozeiros, 10% do PIB de Roraima e responsável pelo abastecimento de arroz de toda a Amazônia, com três safras anuais.

O fato é que a população, incluindo os próprios índios, está em pé de guerra contra uma centena de agentes federais incumbidos de retirar os não-índios da reserva. Fonte militar informou que militares da reserva das Forças Armadas estão dispostos a apoiar com armas a resistência dos moradores da Raposa Serra do Sol contrários à demarcação em terras contínuas. Já são 3 mil os índios que vigiam um delegado e três agentes da Polícia Federal seqüestrados, sexta-feira 22, na maloca do Flexal, para evitar o resgate dos agentes pelas forças federais. A Polícia Militar do Estado se recusa a intervir. Não formalmente, mas de fato. Estradas da região estão interditadas, incluindo a BR-174, rota de intenso comércio entre os Estados do Amazonas e Roraima, Venezuela e Guiana.

O prefeito de Pacaraima, Paulo Cesar Quartiero, decretou terça-feira 26 estado de emergência no município enquanto durar o bloqueio da BR-174, que ele mesmo ajudou a organizar, domingo 24. A barricada de pedras, automóveis enferrujados, pneus e toras  - guarnecida por brancos e índios - impede a travessia para a Venezuela, a poucos metros da cidade. Quartiero quer também fechar a BR-174 na saída de Boa Vista, para impedir o deslocamento de tropas federais para Pacaraima. "A polícia está criando intranqüilidade na região. Não temos nada a negociar com eles e sim com os patrões deles" - disse Quartiero, referindo-se ao presidente da República. 

O morubixaba Anísio Pedrosa de Lima ordenou, terça-feira 26, que os federais caíssem fora da aldeia do Flexal, onde estão o delegado e três agentes da Polícia Federal seqüestrados sexta-feira 22. "Quero pedir, por favor, que os senhores se retirem, para evitar conflitos. Estão chegando aqui outros guerreiros. Vocês devem concentrar forças para combater outro inimigo, os Estados Unidos" - disse o tuxaua.

Clima de terror

Terça-feira 26, o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) ocupou a tribuna para protestar contra a demarcação de Raposa Serra do Sol. Ele já tinha enviado ao presidente um ofício protestando contra as medidas adotadas pelas forças federais - Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Exército - em Roraima, que instalaram barreiras nas principais saídas de Boa Vista, o acesso à cidade de Pacaraima e a estrada estadual na região do Surumu, localizados for a dos limites da Raposa Serra do Sol.

Para Mozarildo, as medidas provocam intimidação e constrangimento ao povo de Roraima, "além de desrespeito aos direitos fundamentais dos cidadãos roraimenses, que não merecem viver sob esse clima de apreensão e medo". Segundo o senador - que esteve em Pacaraima domingo 24 para participar de reunião com líderes políticos e populares -, a intranqüilidade paira na região. "Os cidadãos que precisam entrar e sair daquele município estão vivendo um verdadeiro clima de terror."

O senador criticou também a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de não aceitar ações contra a homologação da Raposa Serra do Sol. A decisão foi proferida no dia 14, julgando prejudicadas as ações interpostas contra a criação da reserva. Para o senador, "o STF baseou-se em informações incorretas fornecidas pelo Ministério da Justiça". Ele anunciou também a apresentação de um decreto legislativo visando sustar a demarcação da reserva.

Raposa Serr a do Sol abriga cerca de 15 mil índios Ingarikó, Makuxi, Taurepang, Wapixana e Patamona. Os colonos que vivem há décadas na região deverão ser transferidos em um ano. Diante da decisão do governo federal, moradores e fazendeiros tentaram contestar judicialmente a Portaria 820, do Ministério da Justiça, que cria a reserva. No entanto, o STF alegou que não poderia julgar as ações por "perda de objeto", uma vez que uma nova portaria, 534, alterava a anterior e contemplava os produtores.

"O Supremo foi induzido a erro por uma informação do ministro da Justiça" - argumentou Mozarildo, explicando que a Portaria 534 foi publicada em 15 de abril, ou seja, um dia depois da decisão do STF, que poderia, assim, ter julgado as ações referentes à Portaria 820. O senador afirmou que o governo federal criou a Raposa Serra do Sol contrariando as recomendações das comissões externas do Senado e da Câmara e que a Justiça de Roraima havia concluído que a Portaria 820 estava "contaminada por vícios e fraudes".

Mozarildo está certo de que o presidente cometeu uma injustiça com Roraima. "Ele foi induzido pelo ministro da Justiça e pela Fundação Nacional do Índio, que não leva em conta nem a opinião dos índios que moram lá, que, em sua maioria, se opõem à demarcação da reserva" - disse o senador.

A Justiça Federal em Roraima decidiu transferir para o Supremo Tribunal Federal (STF) a ação popular movida pelo governador Ottomar Pinto (PTB) contra o decreto presidencial que homologou a demarcação da reserva em terras contínuas.  Protocolada na Justiça Federal, a ação foi encaminhada ao STF porque contesta um decreto presidencial. Nela, Ottomar sustenta que o processo administrativo de demarcação da reserva tem várias nulidades, entre as quais a suposta ampliação de área sem fundamentação antropológica específica. "Não é da competência do presidente da República demarcar ou homologar área indígena" - alega o governador.

Mas o ministro da J ustiça, Márcio Thomaz Bastos, já bateu o martelo. Disse, terça-feira 26, que a homologação da reserva "é um fato consumado. Tenho convicção de que isso vai ser um bem para o Estado. A demarcação em área contínua vai criar condições para uma estabilidade fundiária, uma estabilidade imobiliária em Roraima".


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