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OBRIGADO, SENHOR PRESIDENTE! - Por Aroldo Pinheiro

"O que posso fazer para compensar o sofrimento que causamos aos africanos durante séculos? Se não posso melhorar as suas vidas, vou piorar a vida de alguns brasileiros sem importância, a quem visito com a menos freqüência que a África." Pensou e, numa simples e irresponsável canetada, homologou a Reserva Raposa/Serra do Sol em área contínua jogando, desta maneira, o longínquo e insignificante Estado de Roraima e seus habitantes em situação de penúria e desesperança.


OBRIGADO, SENHOR PRESIDENTE! Nestes tempos de morte de um papa e eleição de outro, ficou muito difícil qualquer personalidade não clerical brilhar na mídia. O príncipe Rainier, coitado, morreu na hora errada e uns poucos gatos-pingados apareceram para dizer-lhe até logo; o príncipe Charles e sua Camila Tampax, digo, Camila Parker-Bowles, num rasgo de inteligência, adiaram o coito oficial, digo, as núpcias para não verem o acontecimento empanado por notícias do Vaticano. Com as notícias vindas de Roma tomando conta de mídia, os marqueteiros tiveram que dar tratos à bola para criar factóides e, assim, colocar seus marquetados em evidência. A indústria brasileira de propaganda destaca-se no mundo inteiro pela qualidade e criatividade; fazendo jus a este sucesso, a Marquetaria Galo Carijó do Planalto trabalhou duro para tentar dar importância ao périplo ecumênico velório-mea culpa de Luiz, Severino, Renan, Fernando, José, Itamar e Cia. Forças ocultas impediram que uma mãe-de-santo integrasse a comitiva. Dizem que o Conselho dos Orixás desautorizou-a por achar que exporia o candomblé ao ridículo ao misturar-se com o baixo, médio e alto clero brasileiros. Falam amiúde que cogitaram convidar um tal Mão-santa para preencher a vaga, mas alguém lembrou que sua mão não é tão santa assim: é leve. Quando a comitiva brasileira descobriu que entre seus integrantes não havia nenhum papável, apelou para, pelo menos, tornar-se palpável: o desengonçado lundum, em pas de deux, ensaiado por dois Ministros de Estado, conseguiu demonstrar que a pobreza de espírito do primeiro escalão é bem maior que seu senso de ridículo; Luiz, imaginando-se possuído pelo espírito do papa morto, pensou beijar o solo dos países a visitar, mas foi prontamente desaconselhado: seu porte físico e estado de saúde não permitiriam esse tipo de estripulias (Além da séria possibilidade de que, nesse momento, o álcool viesse todo para a sua cabeça). A impressão de que o espírito papal procurava um corpo para encostar concretizou-se quando lágrimas crocodilanas brotaram dos olhos presidenciais, coadjuvado por integrantes da comitiva. (Sabemos que o álcool deixa as pessoas mais sensíveis; será que Luiz estava lombrado naquela hora?) Luiz, aproveitando o efeito causado no palanque, empolgou-se e pediu desculpas pela selvageria que a escravidão impingiu a nossos irmãos africanos. Naquele momento a coisa começou a ficar preta para os brasileiros: acreditando nas palavras que proferiu além mar, o presidente decidiu partir da retórica para fatos concretos: "O que posso fazer para compensar o sofrimento que causamos aos africanos durante séculos? Se não posso melhorar as suas vidas, vou piorar a vida de alguns brasileiros sem importância, a quem visito com a menos freqüência que a África." Pensou e, numa simples e irresponsável canetada, homologou a Reserva Raposa/Serra do Sol em área contínua jogando, desta maneira, o longínquo e insignificante Estado de Roraima e seus habitantes em situação de penúria e desesperança. "Pelo menos fiz algo para igualar os sofridos e miseráveis africanos a uma parte do meu povo", concluiu. (Melhor seria dizer: igualar boa parte do meu povo aos sofridos e miseráveis africanos.) Dado o pontapé inicial, Luiz pode ter certeza de que miséria, conflitos e mortes surgirão; Roraima logo, logo estará socialmente mais africano que a África. OBRIGADO, SENHOR PRESIDENTE!

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