- 19 de novembro de 2024
Governo Em nome da reeleição Jucá, afogado em denúncias, ainda sobrevive porque o PT não enxerga nada além de 2006 Alexandre Oltramari NESTA REPORTAGEM Quadro: Os rolos do ministro Na semana passada, faltando ainda dezoito meses para a eleição presidencial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu começar a pagar publicamente o custo de sua reeleição - e a primeira parcela do pagamento veio na defesa veemente que fez de seu ministro da Previdência Social, Romero Jucá. Em São Paulo, durante almoço oferecido ao presidente chileno, Ricardo Lagos, Lula fez elogios ao trabalho de Jucá à frente da Previdência, disse que não demite ninguém "por causa desta ou daquela manchete de jornal" e classificou como "insinuações" a torrente de denúncias publicadas contra o ministro (veja quadro). No Palácio do Planalto, ninguém esconde a certeza de que o custo político - e ético - de defender Jucá é uma ninharia perto do que o PT poderá ganhar com o PMDB a seu lado no bonde da reeleição. Afinal, o PMDB é como um mamute: pertence à pré-história da política nacional, tendo se fossilizado numa confraria de líderes regionais, mas ainda desfruta um peso político gigantesco com sua enorme bancada no Congresso, que rivaliza com a do próprio PT, com seus seis governadores e seu número imbatível de prefeitos - mais de 1.000. A persistência das denúncias contra Jucá fez parte do cardápio de um almoço ministerial na semana passada. Havia seis comensais à mesa, entre eles os ministros José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci (Fazenda), e dali saiu mais um perfeito exemplo do pragmatismo do PT depois que chegou ao poder. A avaliação geral foi a seguinte: há denúncias contra Jucá que não se sustentam em pé diante de uma análise séria e imparcial, porém há denúncias que levantam suspeitas sólidas e graves. Mas, apesar das denúncias que podem vir a comprometer o ministro de modo irremediável, o governo petista não tem outra opção a não ser mantê-lo no cargo caso queira o PMDB como parceiro na reeleição de Lula. Isso mostra que a bandeira ética, na qual os petistas se enrolaram durante anos de oposição, está agora devidamente enrolada no próprio mastro em nome de garantir o poder até pelo menos 2010. "Ao segurar Jucá até onde for possível, o PT está tentando sinalizar ao PMDB que é um parceiro confiável. Se tiver o PMDB a seu lado em 2006, Lula é um candidato imbatível", aposta Fernando Abrucio, cientista político da Fundação Getulio Vargas. "Jucá é uma indicação do PMDB. Ele está fazendo um trabalho sério", assevera José Genoino, presidente do PT, desprezando a evidência de que, estando há apenas um mês no cargo, Jucá não teve tempo de fazer trabalho nenhum, seja ele sério ou não. Mas, em apenas um mês, Jucá conseguiu um feito raro em tão pouco tempo: atingiu a orfandade política. O presidente do PMDB, Michel Temer, foi um dos primeiros a tomar distância do novo ministro assim que as denúncias começaram a pipocar. "O ministro Romero Jucá não foi uma indicação institucional do PMDB, então o PMDB não tem de defendê-lo", diz Temer, corajosamente. Ney Suassuna, líder da bancada peemedebista no Senado e anfitrião da festa que comemorou a nomeação ministerial de Jucá, chegou a defender o ministro nas primeiras denúncias, mas parece ter desistido. "A defesa eu já fiz. Não quero fazer julgamento de colega", resumiu. Espantosamente, até o senador Renan Calheiros, que participou de mais de uma dúzia de reuniões no Palácio do Planalto para garantir o emprego de Jucá, agora acha que não tem nada a ver com o assunto. "O presidente Lula me disse, durante a discussão da reforma ministerial, que havia apenas duas pessoas capazes de enfrentar o déficit da Previdência: Ciro Gomes e Romero Jucá. Então, foi uma escolha do presidente", diz Calheiros, corajosamente. "O curioso é que o governo tem defendido o Jucá com mais ênfase do que o PMDB", analisa um ministro que despacha no Palácio do Planalto. "Para o governo, qualquer passo em falso pode levar à perda do PMDB. Já para o PMDB, o Jucá é apenas mais um", completa. A exótica situação que se criou em Brasília, na qual um ministro enrolado é defendido com mais empenho pelo governo do que pelo próprio partido, também é fruto da tensão histórica entre PT e PMDB. No período de combate à ditadura militar (1964-1985), as duas legendas chegaram a caminhar sobre terreno comum, mas sempre tiveram estratégias diferentes e até conflitantes - pois o PMDB sempre temeu que os petistas virassem a força hegemônica da esquerda, e o PT, por sua vez, sempre viu nos chamados peemedebistas históricos uma força respeitável capaz de frustrar seu projeto político. Hoje, como herdeiros das desconfianças mútuas, PT e PMDB conversam olhando para os lados. Disputam em tamanho e força no Congresso Nacional - na Câmara, o PT tem a maior bancada; no Senado, é o PMDB - e são donos dos maiores espaços de rádio e televisão no horário eleitoral. No plano puramente eleitoral, PT e PMDB também disputam espaços em vários estados e inúmeras cidades brasileiras, onde com freqüência são as duas maiores forças políticas. Diante disso tudo, das disputas no passado e no presente, o PT morre de medo de acabar engolido e estraçalhado pelo gigantismo do PMDB. Acha mais cômodo e mais fácil aliar-se a legendas como PTB, PL e PP, que são tão fisiológicas quanto o PMDB, mas, sendo menos poderosas, trocam seu apoio por qualquer caraminguá político e não oferecem nenhum risco à hegemonia petista. O PMDB, por sua vez, vive desconfiado de que o PT o convidou para a festa apenas com o objetivo de levá-lo a fazer papel de bobo, razão pela qual a veia fisiológica dos peemedebistas não se cansa de exigir compensações cada vez mais robustas e mais urgentes. Um dirigente do PMDB faz um resumo exemplar disso que se pode chamar eufemisticamente de necessidade partidária. "Se hoje, com toda essa preocupação com a reeleição, é tão difícil fazer o PT abrir espaço no governo, imagine em um segundo mandato quando a reeleição não estiver mais em cena", avalia o cardeal do PMDB. Entregar um ministério para um político qualquer de modo que seu partido fique com o governo não se trata de uma inovação do PT, é claro. Preservar esse político numa hora tumultuada, com o objetivo apenas de garantir a manutenção da aliança, também não é uma estratégia inventada pelos petistas. O risco que o PT talvez não tenha percebido até agora é que, na sua história, o partido quase sempre foi - e se gabou de ter sido - diferente das demais agremiações políticas. O fato agora de se comportar à imagem e semelhança dos outros talvez seja um passo altamente arriscado. Em especial quando se sabe que a concessão do PT está sendo feita num terreno em que o partido normalmente se saía bem, o terreno ético. Se nem os padrinhos de Jucá querem mais defendê-lo, por que o governo não poderia simplesmente trocá-lo? Talvez a resposta esteja no fato de que o PT só enxerga a reeleição no horizonte - e não vê nem as nuvens escuras.