- 19 de novembro de 2024
A fim de que não venha amanhã ou depois a se sentir traído ou injustiçado, conviria ao ministro da Previdência, Romero Jucá, desconsiderar a frase 'não posso demitir um ministro por causa de manchete de jornal' como rede de proteção estendida pelo presidente Luiz Inácio da Silva. Lula acrescentou que há muitas 'insinuações' a respeito de Jucá e mais não disse, remetendo o assunto à alçada do Ministério Público e da Polícia Federal. Lembrou, com formalismo, que o ministro tomou a iniciativa de pedir pressa às investigações. Pedido que, sabe muito bem o presidente, não tem resultado prático algum - assim como não caberia a Jucá pedir à polícia ou aos procuradores que reduzissem seus ritmos de trabalho - e visa apenas a criar um efeito visual no noticiário. À primeira vista, a declaração do presidente realmente dá a impressão de defesa. Uma segunda olhada, entretanto, é suficiente para esclarecer o significado da sentença. Lula diz que não 'pode' tomar uma decisão 'só' com base nas denúncias publicadas. Quer dizer, reserva-se o direito de esperar o que dirá a Justiça a respeito dos documentos apresentados pelo ministro e de forma dá a entender que tais acusações são assunto superado dentro do governo. Tanto não são que, no mesmo dia, outra frase, desta vez dita pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, detalhou com mais precisão o sentimento vigente no governo a respeito da situação de Romero Jucá. 'O ministro, pelo fato de ser ministro, não tem imunidade divina', afirmou Thomaz Bastos, formulando aparentemente uma obviedade, pois nem Jucá nem ninguém é dono de 'imunidade divina', até pela inexistência de tal figura legal. Ora, além de não ser homem dado a desperdícios verbais, o experimentadíssimo advogado Márcio Thomaz Bastos não sairia dizendo platitudes que poderiam dar margem a segundas interpretações se não quisesse transmitir alguma coisa com isso. No caso, o recado estava no complemento da declaração: 'É preciso esperar um pouco. Nós vivemos em um estado de direito. O ministro tem prazo para apresentar sua defesa ao procurador Cláudio Fonteles, e ele está fazendo isso hoje. De modo que nós vamos esperar para ver como as coisas evoluem.' E, se evoluírem para um pedido de abertura de inquérito ou coisa parecida, estará criada junto ao PMDB a justificativa para a demissão de Romero Jucá. Este parece ser o cenário mais próximo do real, embora o ideal fosse que o presidente da República tivesse tido, senão impedimento de ordem moral, pelo menos o tirocínio político de perceber o potencial de problemas que representavam as denúncias que, segundo consta, foram todas levadas ao seu conhecimento junto com a indicação do nome de Jucá. Como, em última análise, nomeou o pemedebista porque quis - até porque quando não quis não nomeou o afilhado de Severino Cavalcanti -, o presidente da República precisa arrumar bem direito a possível demissão, a fim de que ela não lhe renda mais prejuízos além dos que já produziu. Pela participação do ministro da Justiça ontem no episódio, parece que o governo resolveu encaminhar a questão com acuidade, rigor técnico e muito cuidado para não transformar um erro enorme - a nomeação de Romero Jucá - numa crise monumental.