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CGU aponta fraudes em Cantá que ligariam ministro a ex-prefeito

Relatório recém-concluído pela Controladoria Geral da União aponta o desvio de R$ 857 mil, aproximadamente um terço dos R$ 2,8 milhões de verbas federais transferidas para projetos no Cantá. O documento, obtido pelo GLOBO, é uma das peças mais importantes do inquérito que tramita STF para apurar a suposta ligação do ministro Romero Jucá com irregularidades atribuídas ao ex-prefeito Paulo de Souza Peixoto, o Cão Pelado.


Jailton de Carvalho CANTÁ (RR). Relatório recém-concluído pela Controladoria Geral da União (CGU) aponta o desvio de R$ 857 mil, aproximadamente um terço dos R$ 2,8 milhões de verbas federais transferidas para 20 projetos no município de Cantá, em Roraima, entre 1998 e 2002. O documento, obtido pelo GLOBO, é uma das peças mais importantes do inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar a suposta ligação do ministro da Previdência, Romero Jucá (PMDB), com irregularidades atribuídas ao ex-prefeito Paulo de Souza Peixoto, que governou o município de 1996 até o ano passado. Num minucioso estudo, a CGU aponta desvios ou má aplicação de recursos públicos em 16 dos 20 projetos submetidos a análise a pedido da Polícia Federal e indica a existência de um esquema de extorsão e pagamento de propina. Os auditores consideraram desproporcional a quantidade de programas financiados com verbas federais num município tão pequeno e ficaram ainda mais impressionados com a facilidade com que a prefeitura recebia esses recursos. A área urbana de Cantá, a 35 quilômetros de Boa Vista, não tem mais do que três mil habitantes. Falhas no planejamento e na execução de projetos "A sucessão de irregularidades constatadas, implicando desvios de recursos e prejuízos para os cofres públicos, robustece vigorosamente a hipótese de que possam ocorrer extorsões e pagamento de propina entre os envolvidos", diz um trecho do relatório. A controladoria encontrou falhas grosseiras no planejamento e na execução de projetos de produção de mudas de abacaxi e de café, na construção de galpões e de uma fábrica de farinha e no plano de eletrificação rural, entre outros destinados, pelo menos no papel, a pequenos agricultores. Em Cantá, não é difícil verificar o desperdício. Um dos exemplos mais evidentes está no projeto de produção de mudas de abacaxi, numa fazenda particular a 25 quilômetros do centro urbano. O governo federal liberou R$ 497.600 para o projeto que previa, em 2001, o plantio de 405 mil mudas num terreno público. No entanto, o fazendeiro Armando Ferreira Neto plantou pouco mais de cem mil pés de abacaxi e, por falta dos incentivos adicionais previstos no contrato com a prefeitura, deixou de lado a produção. Hoje, a plantação virou um matagal e nenhuma muda foi entregue a pequenos produtores locais, como previa o projeto. - Meu marido ia ficar com os abacaxis e distribuir as mudas, mas o projeto não deu certo. Ele teve que pagar peões, adubo e veneno. Por isso, acabou replantando as mudas para ele - explica Risalva Oliveira Silva, mulher de Ferreira Neto. Outros R$ 210.400 que o governo federal empregou na construção de uma fábrica de farinha, numa das pistas de acesso a Cantá, também foram perdidos. A fábrica, instalada a dez metros de um matadouro, foi abandonada logo após ser concluída. Os equipamentos, do triturador à máquina de empacotar, estão entregues à ação da ferrugem. O galpão, empoeirado e coberto de fezes animais, serve apenas de abrigo para seis cachorros. - Ninguém veio produzir farinha porque não tem lugar para vender. A vila é muito pequena, não tem mercado consumidor - explica Paulo César de Andrade, fiscal de Obras e Posturas da prefeitura. O Centro de Comercialização Comunitário, orçado em R$ 280 mil, em valores de 1998, também ajudou a aumentar o rombo. Por falta de interessados, o prédio está praticamente abandonado. Prejuízo ainda maior o governo teve no projeto de plantação de café, num terreno a 60 quilômetros de Cantá. Orçado em R$ 428.300, o projeto previa o plantio de 147.400 mudas em 45 hectares. Mas os fiscais só encontraram 23 mil mudas plantadas em 19 hectares. "Ressalvamos que as plantas não estavam em bom estado de conservação", informa o relatório da CGU. Segundo funcionários da prefeitura de Cantá, os projetos não tinham viabilidade e foram apresentados apenas para que as verbas fossem destinadas para o município. As investigações sobre supostos vínculos de Jucá com o ex-prefeito tiveram como ponto de partida uma fita entregue à PF por Antônio Ailton da Silva, líder de um grupo de assentados de Roraima. Na fita, Peixoto falaria sobre a cobrança de um percentual para liberação de verbas federais e mencionaria o nome de Jucá como um dos beneficiários do esquema. Para a PF, a fita não tem validade jurídica como prova porque foi gravada sem autorização judicial, mas serviu como ponto de partida para a investigação. PF pediu levantamento de autores de emendas O inquérito está em fase de análise de perícias. A PF já pediu um levantamento completo dos autores das emendas de verbas para Cantá e está tentando identificar quem atuava nos ministérios para apressar a liberação dos recursos. Procurado na sexta-feira, em sua casa em Boa Vista, o ex-prefeito não foi encontrado.

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