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Receita acusa Jucá de fraude e de desvio de R$ 1,45 milhão

A Receita descobriu que o dinheiro foi aplicado em despesas pessoais de Romero Jucá. Financiou também dispêndios eleitorais do hoje ministro do presidente Lula. As verbas saíram dos cofres da Fundação Banco do Brasil e do extinto Ministério da Ação Social para a Fundação Roraima, de Jucá.


JOSIAS DE SOUZA Colunista da Folha de S. Paulo Os arquivos da Receita Federal guardam há uma década papéis que apresentam o ministro Romero Jucá (Previdência) como protagonista de um dos mais bem documentados casos de "fraude" já praticados em Roraima. O esquema foi montado, segundo o fisco, com o objetivo deliberado de "causar danos ao erário". Malversaram-se verbas públicas liberadas pelo governo federal. Destinavam-se a programas de socorro a brasileiros pobres. O "relatório de auditoria" da Receita, finalizado em 9 de janeiro de 1995, contabiliza em cruzeiros os desvios que puderam ser documentalmente comprovados: Cr$ 1,34 bilhão. Em moeda de hoje, é algo como R$ 1,45 milhão. Seguindo a trilha dos gastos, a Receita descobriu que o dinheiro foi aplicado no custeio de despesas pessoais de Jucá. Financiou também, conforme as conclusões do fisco, dispêndios eleitorais do hoje ministro do presidente Lula. As verbas saíram dos cofres da Fundação Banco do Brasil e do extinto Ministério da Ação Social. Foram transferidas para uma entidade chamada Fundação de Promoção Social e Cultural do Estado de Roraima. Criada em agosto de 1989 como filantrópica, a Fundação Roraima tornou-se braço eleitoral de Jucá. No papel, o ministro não pertencia aos quadros da entidade. Na prática, era quem a comandava. Sua ingerência foi resumida em documento da Receita de 9 de dezembro de 1994: "Afora as vantagens pessoais, traduzidas na apropriação indébita, acepção jurídica do termo, Romero Jucá envolvia também várias pessoas ligadas à fundação a se exporem a diversas fraudes que visavam danos ao erário". Lançando-se o CNPJ da Fundação Roraima (22.907.505/0001-77) no site da Receita na internet (www.fazenda.receita.gov.br), descobre-se que a organização continua "ativa". Verifica-se também que deveria ser "mantida com recursos privados". Servia-se, porém, do Tesouro Nacional. Aconteceu assim: 1) entre 1992 e 1993, sob as presidências de Fernando Collor de Mello e Itamar Franco, a Fundação Roraima recebeu de Brasília o correspondente a R$ 1,6 milhão. Segundo a Receita, mais de 80% desse montante "foi desviado"; 2) a maior parte dos "desvios" se deu por meio da emissão de cheques, sacados na conta corrente (37109-2) que a Fundação Roraima mantinha na agência 0250-X, em Boa Vista; 3) auditores da Receita ouviram gestores da fundação. Um deles é Pedro Antônio Panilha de Andrade. Presidia a diretoria executiva da organização. Sentindo a corda do fisco apertar-se em torno do seu pescoço, Panilha de Andrade se abriu aos auditores; 4) informou, segundo relatórios da Receita, que "os recursos adquiridos de modo sorrateiro e em clima de fraude serviam para fazer face aos dispêndios com a campanha política de Romero Jucá e seus correligionários"; 5) Panilha de Andrade disse também que Jucá levava consigo um talonário de cheques da Fundação Roraima. Colhia previamente a assinatura do executivo da entidade nas folhas de cheque em branco. Depois, preenchia-as de próprio punho; 6) a Receita obteve cópias de cheques da fundação. Comparou a caligrafia com a de outros cheques da conta pessoal de Romero Jucá. Os auditores concluíram que a letra é da mesma pessoa; 7) para encobrir saques indevidos, injetaram-se na contabilidade da Fundação Roraima "despesas fictícias". O fisco pilhou nos arquivos da entidade várias notas frias (compras de medicamentos, cadeiras de rodas, muletas etc.). Foram emitidas por duas empresas: Farmácia e Drogaria Lacerda e JBC Ferreira Neto, de Boa Vista; 8) o relatório da Receita traz número e data dos cheques desviados da fundação. Entre os beneficiários estão Romero Jucá, sua mulher (Maria Teresa Jucá), sua irmã (Luíza Ferraz Jucá) e até o motorista que o servia à época (Aldo Torreias do Nascimento); 9) o dinheiro público repassado à Fundação Roraima custeou também despesas pessoais dos Jucá. Pagou do licenciamento de veículos do ministro e de sua mulher a despesas judiciais de processo que corria contra eles; 10) os desvios praticados na fundação renderam a Jucá um pedido de abertura de inquérito no Ministério Público e uma tomada de contas no TCU (Tribunal de Contas da União) e no Ministério Público. O ministro se gaba de ter saído ileso dos dois processos; 11) a Folha foi atrás das decisões. Descobriu que Jucá foi salvo, na verdade, por tecnicalidades que não o isentam de culpa. No Ministério Público, o pedido de inquérito foi arquivado pelo então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, sob o argumento de era preciso aguardar o julgamento final do TCU; 12) a deliberação do TCU só veio em 2002. Em processo sigiloso, o tribunal eximiu-se de julgar Romero Jucá. Excluiu-o do processo sob o argumento de que a Receita Federal tivera acesso aos dados bancários do ministro e da Fundação Roraima sem autorização judicial. O que tornou a auditoria do fisco passível de contestações. Por isso negou-se a levar os dados em conta. Depoimento Em depoimento à Receita, Pedro Antonio Panilha de Andrade disse que chegou a levar dinheiro da entidade à casa de Romero Jucá em Boa Vista. Deu-se "num sábado à noite", em janeiro de 1993. Receoso de que os desvios descobertos pudessem recair apenas sobre as suas costas, Panilha de Andrade afirmou que "movimentava as contas bancárias da fundação sob orientação de Jucá". As ordens eram repassadas por Jucá desde Brasília ou em contatos pessoais em Boa Vista. Panilha de Andrade confessou ao fisco que assinava cheques em branco e entregava os talonários a Romero Jucá. Vários deles foram sacados num período em que "não mais fazia parte do quadro de administradores da entidade". Revelou ainda que, nas ocasiões em que Jucá lhe pedia que sacasse dinheiro no banco, encomendava saques com "valor fracionado". "Quando entregava o dinheiro a ele, em seguida mandava pagar despesas de ordem particular." Segundo Panilha de Andrade, Jucá negociava pessoalmente "compras de medicamentos da fundação". Compras que, aponta a apuração do fisco, mostraram-se "fictícias". O ex-dirigente da Fundação Roraima disse também à Receita que Jucá usava as instalações da entidade até para reuniões em que eram escolhidos "os candidatos a cargos políticos" do seu grupo.

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