- 19 de novembro de 2024
RICARDO FELTRIN Enviado especial da Folha Online a Roma Karol Josef Wojtyla, o papa João Paulo 2º, morreu neste sábado, aos 84 anos em Roma, após dois dias de uma longa agonia. Segundo comunicado oficial do Vaticano, o sumo pontífice morreu às 21h37 [16h37 de Brasília] em seu apartamento no Palácio Apostólico. A morte encerra 26 anos do terceiro maior pontificado da história da Igreja Católica, um período marcado por uma intensa atuação política, inúmeras viagens, defesa da paz e dos direitos humanos, mas também de conservadorismo moral. João Paulo 2º visitou 125 países, fez campanha contra a Guerra Fria, aproximou a Igreja Católica de outras religiões e culturas, pediu desculpas pela inquisição, defendeu as liberdades individuais, mas condenou o uso de preservativos numa época que viu surgir a Aids. Apesar do mal de Parkinson, João Paulo 2º pouco reduziu o ritmo das viagens e procurou sempre dar a posição do Vaticano sobre os principais acontecimentos internacionais. Neste ano, seu estado de saúde se deteriorou e foi internado duas vezes por conta de uma laringotraqueíte. Depois foi submetido a uma traqueostomia, que dificultou sua fala. Na última sexta, seu estado foi considerado irreversível após perder a função renal e ter sido constatada insuficiência cardiorrespiratória. Nas últimas aparições em público, João Paulo 2º demonstrou grande sofrimento, e se ausentou das principais comemorações da Semana Santa da Igreja Católica. Pontificado Nascido na Polônia comunista, Wojtyla foi considerado um militante anticomunista, que ajudou a derrotar as ditaduras socialistas do Leste Europeu e a esfriar a Guerra Fria. Criticou as injustiças e desigualdades promovidas pelo capitalismo. Pediu a paz no Oriente Médio, condenou os atentados terroristas e opôs-se à invasão do Iraque, classificando-a de "imoral e injusta". Na tentativa de preparar uma velha igreja para chegar ao terceiro milênio, João Paulo 2º adotou uma postura progressista socialmente, mas ao mesmo tempo conservadora religiosamente. Ao mesmo tempo em que defendia de forma veemente os direitos humanos, criticando por exemplo a globalização como instrumento de acentuação da desigualdade social e concentração de renda, era um inflexível moralista quanto à biotecnologia e à sexualidade. Na encíclica "Sollcitudo Rei Socialis" (Preocupação com a Realidade Social), de 30 de dezembro de 1987, propunha uma nova ordem social, enfatizando problemas de distribuição de renda e políticas financeiras dos governos. Porém a oposição ao homossexualismo, ao aborto ou qualquer prática contraceptiva (mesmo para o caso de prevenção à Aids), à fecundação artificial, à manipulação genética e à eutanásia lhe custou severas críticas de diversos setores da sociedade. A virada do milênio foi uma espécie de obsessão para o papa. Uma de suas primeiras declarações ao assumir o posto teria sido: "Tive medo de receber esta nomeação". A afirmação não decorria de insegurança pessoal, mas da consciência de que a igreja deveria enfrentar desafios apocalípticos na fronteira do milênio. Essa preocupação estava presente em sua penúltima encíclica (carta papal), "Fides et Ratio" (Fé e Razão), de 14 de setembro de 1998, em que criticou a separação entre teologia e filosofia, que afirmava ser a marca do século 20. A principal meta pessoal do Santo Padre foi manter a grande disciplina e o consenso diretivo de toda a instituição eclesiástica. Por uma igreja forte e coesa diante da cultura fragmentada e neoliberal, não permitia o dissenso teológico e exigiu cuidado redobrado quanto às liturgias inculturadas e sincréticas. Em todo o mundo, as principais dioceses passaram a ser orientados por conservadores. Chegou a polemizar ao apoiar grupos de extrema direita, como a Opus Dei. No Brasil, por exemplo, reprimiu a Teologia da Libertação e tirou o vigor das CEBs (Comunidades Eclesiásticas de Base). Como resultado, assistiu à queda do número de casamentos civis e religiosos, à fuga de fiéis para religiões híbridas e ao afastamento da juventude e dos acadêmicos universitários, que se aproximaram do secularismo, do ateísmo pragmático ou do neopaganismo emergentes. Doença O estado de saúde de João Paulo 2º vinha se deteriorando desde fevereiro passado quando ele foi internado no hospital Gemelli, em Roma, por conta de uma laringotraqueíte e crises de laringoespasmos [fechamento da laringe que impede a passagem do ar para o pulmões, dificultando a respiração]. No mesmo mês, João Paulo 2º foi submetido a uma traqueostomia. Ontem, o estado de saúde do papa foi considerado irreversível após ele ter perdido a função renal e ter sido constatada insuficiência cardiorrespiratória. Nas últimas aparições em público, João Paulo 2º demonstrou grande sofrimento, sem conseguir falar e se ausentou das principais comemorações da Semana Santa da Igreja Católica. Com agências internacionais