- 19 de novembro de 2024
RUBENS VALENTE Folha de S. Paulo Documentos que integram processos judiciais contradizem a defesa apresentada pelo ministro da Previdência, Romero Jucá (PMDB-RR), desde a revelação de que deu como garantia fazendas inexistentes, no interior do Amazonas, em empréstimo contraído no Basa (Banco da Amazônia). Segundo o ministro, ele não é o responsável pela apresentação das garantias porque, na época do envio da relação dos bens ao banco, a empresa Frangonorte, de Boa Vista (RR), pertencia a Luiz Carlos Fernandes de Oliveira. "As fazendas, portanto, foram dadas em garantia por Luiz Carlos, e não pelo ministro. Jucá apenas transferiu suas cotas na empresa ao novo proprietário, há oito anos, por meio de um documento citado pelo jornal [Folha]", diz nota divulgada pela assessoria do ministro na segunda. Os papéis que integram o empréstimo, contudo, mostram que Jucá, além de fiador e pagador da operação, era o dono da Frangonorte na época da apresentação das fazendas aos representantes do Basa, em 12 de agosto de 1996. O quinto instrumento de alteração contratual da empresa demonstra que, em 27 de agosto de 1996, 15 dias depois da assinatura do ato que tratou das novas garantias, Jucá seguia proprietário da empresa, ao lado do ex-de Getúlio Cruz. Nessa data (27 de agosto) eles aceitam pela primeira vez Oliveira como sócio, mas permanecem proprietários da empresa. O sexto instrumento, portanto posterior ao quinto e ao dia 27 de agosto, não é datado. É apenas nele, que por sua vez nada fala sobre fazendas no Amazonas, que Jucá e Cruz cedem as cotas a Oliveira. Quando é feito o registro do sexto instrumento de alteração contratual da Frangonorte, em janeiro de 1997, já havia se passado seis meses desde a apresentação das fazendas como garantia. O fato de serem donos da Frangonorte em 12 de agosto leva Jucá e Cruz a assinarem o documento na qualidade de "fiadores e principais pagadores". Cruz também assina como responsável pela Frangonorte. Como Oliveira não era dono da empresa, aparece como "hipotecante interveniente" (terceiro que indica propriedade para hipoteca como garantia de pagamento de dívida de outros). Essa figura, segundo especialistas ouvidos pela Folha e acórdãos de diferentes tribunais, não exonera a responsabilidade dos reais devedores. Jucá e Cruz são réus na ação de execução de dívida (R$ 18 milhões) movida pelo Basa na 11ª Vara Cível de Belém (PA). O segundo ponto da defesa do ministro é relacionado à natureza do documento que trata da apresentação das garantias. Em síntese, Jucá alega que o documento era parte de "consolidação das dívidas" da empresa com o banco e transferência de cotas entre sócios (de Jucá para Oliveira). Assim, Oliveira apresentou as garantias para o banco porque seria o novo responsável pela dívida. Contudo, o documento de que fala o ministro, de 12 de agosto de 1996, nada menciona sobre mudança de sócios ou consolidação de dívida, apenas relaciona as fazendas como nova garantia. Em agosto, o banco cobrava garantias mais valiosas, pois a dívida aumentava. Por se tratar de apresentação de novas garantias, o banco acolheu os bens e concordou em assinar o papel, por meio de dois representantes: o gerente-geral interino, José Ferreira Neto, e a gerente de negócios interina, Marilda Okamura Abensur. Relatórios do Basa contrários à saída de Jucá da empresa mostram que dificilmente a instituição assinaria documento que tratasse de "transferência de cotas" a Oliveira, como diz agora Jucá. A principal evidência de que o banco nunca aceitou, por escrito, a transferência das cotas foi produzida pelo próprio ministro. Em maio de 2004, ele abriu uma ação judicial contra o Basa na Justiça de Belém justamente com o objetivo de que o banco reconhecesse a transmissão das cotas para Oliveira, livrando o ministro do ônus da fiança e da responsabilidade pelo débito. Caso fosse correta a tese de que Jucá assinou o documento de transferência de cotas "com o banco" no momento em que Oliveira incluiu suas fazendas como garantia, simplesmente seria desnecessária a ação que ele próprio moveu anos depois.