- 19 de novembro de 2024
João Saulo Batista, negro, pernambucano, funcionário público, casou-se com Maria Helena, morena bonita e voluptuosa, sergipana, também servidora pública, e se deslocaram para a Amazônia, onde prestavam serviços ao Governo Federal; ela lotada no Ministério da Educação, ele no Ministério da Saúde. A vida deu-lhes três filhos: João Saulo Júnior, Maria Anete, e Lúcia Helena. Maria Helena não levava as promessas de altar muito a sério e, vez por outra, dava umas escapadelas em busca de braços (y otras cositas) mais ardentes. Dizem as más línguas que Lúcia Helena, a caçula dos três filhos, não foi gerada por João Saulo, mas por Ariosvaldo Medeiros, um dos "affairs" da irrequieta senhora. As feições finíssimas, a pele branca, os cabelos louros e os olhos azuis, idênticos aos do amante da mãe, levam-nos a crer que a voz do povo diga a verdade. Ao longo dos anos o casal construiu pequeno patrimônio composto uma casa de qualidade situada em imenso terreno no centro da cidade e um Chevette 89. O salário que recebiam dava, apertadamente, para manter as despesas domésticas e investir na educação dos rebentos. Saulo, durante muitos anos, em nome da paz e da educação dos filhos fez vista grossa às leviandades da esposa. Tudo tem limites. À proporção que Maria Helena ficava mais descuidada nas suas aventuras, Saulo concluía que precisava por um fim àquele casamento e às patifarias; hesitava, porém, quando pensava em ter que dividir os bens adquiridos com muito sacrifício. Certo dia, conversando com seu compadre Julinho, advogado, Saulo foi aconselhado a partir para separação litigiosa; segundo o causídico, se fundamentassem o processo apropriadamente, Maria Helena sairia em desvantagem na separação, pois seu comportamento desvairado faria com que o juiz a desabonasse na partilha. Depois de muito relutar, Saulo concordou e entrou com a petição. Os papéis tramitaram na morosidade que é peculiar à justiça brasileira; depois de alguns meses, foi marcada a audiência judicial: sexta-feira, onze horas da manhã, encontravam-se Saulo, seu advogado Julinho, Maria Helena e seu defensor, Arnaldo, frente ao juiz de direito. Depois de esgotadas as possibilidades de conciliação, passaram às alegações das partes; Júlio aproveitava todos os momentos para ressaltar o comportamento irregular de Maria Helena. A cada argumento ou ponderação das pessoas ali na sala, Júlio rebatia: "O comportamento da requerida não é sério..." ou "Meritíssimo, a senhora Maria Helena, não se comporta com dignidade neste casamento..." ou ainda "Meritíssimo, a senhora Maria Helena tem desrespeitado meu cliente ao longos dos últimos vinte anos..." Saulo, ouvindo repetidamente aquelas afirmações, encheu-se de vergonha e indignação e resolveu interpelar seu defensor: "- Julinho, não fique repetindo a toda hora esse negócio de chifre, pois você também os seus!"