- 19 de novembro de 2024
JULIA DUAILIBI LULA MARQUES Entre 2003 e 2004, o Estado brasileiro aumentou em 35% os gastos com aluguel, compra e manutenção de carros oficiais, sem que esse crescimento se refletisse em um controle maior do uso dos automóveis pelos servidores. Somente no ano passado, foram gastos mais de R$ 650 milhões com o pagamento de combustíveis, impostos e aquisição de novos carros para Executivo, Legislativo e Judiciário. Para ter uma idéia do valor, um dos principais programas do governo, o Primeiro Emprego, consumiu no ano passado R$ 51,8 milhões. O gasto com combustível, que atingiu R$ 272,6 milhões em 2004, é um dos que mais pesam nos cofres públicos, segundo levantamento feito pelo deputado distrital Augusto Carvalho (PPS) a pedido da Folha. Em termos reais (descontada a inflação), houve crescimento de 17% em relação a 2003 e de 33% em relação a 2002. Enquanto se gasta cada vez mais dinheiro com os carros, são visíveis os sinais de que há possibilidades amplas para que funcionários públicos possam burlar as normas de controle de uso: criaram mecanismos próprios de identificação dos automóveis ou até mesmo de não identificá-los. Usar os carros oficiais para levar servidor em casa, ir ao supermercado, buscar filhos no colégio ou funcionários no aeroporto, salvo raras exceções, quando há autorização superior, é proibido. Só no Distrito Federal são cerca de 10 mil carros oficiais. Instrução Normativa nº 9 de 1994, do então Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, ainda em vigência, coloca regras claras sobre a utilização dos carros e, principalmente, sobre a sua identificação. A determinação, no entanto, não é cumprida pelos departamentos responsáveis em cada órgão pela fiscalização dos carros e pelos motoristas, segundo acompanhamento feito pela Folha durante dois meses em Brasília. Sem identificação Carros do Itamaraty, das Forças Armadas e da Presidência da República também desfilam pelas ruas de Brasília sem especificação, o que pode abrir margem a irregularidades. Para o transporte individual ou de materiais, servidores têm de usar carros com placa branca e que tenham identificação nas duas portas dianteiras, por meio de adesivo ou pintura, que mostre a que órgão ou entidade o carro está servindo. As regras determinam tamanho e cor do adesivo. Os carros a serviço de assessores especiais e chefes-de-gabinete, por exemplo, teriam de ser identificados com a expressão "Governo Federal", mostrando que o carro está a serviço. Os setores de transporte de ministérios têm feito a identificação com material imantado, o que permite a colocação e remoção com facilidade. Aluguel Outro mecanismo que abre brechas para o uso indevido dos carros é o aluguel de automóveis por parte dos ministérios e da Presidência. A União gastou R$ 50,7 milhões com aluguéis no ano passado. A placa cinza, como a de veículos normais, não permite identificar um carro oficial. O Planejamento, por exemplo, possui contrato com locadora que o permite usar até 15 carros do tipo popular. Funcionários da Presidência, que tem contrato que prevê a locação de até 64 veículos, também usam carros alugados sem identificação. A Secretaria de Administração da Casa Civil diz que uma norma interna, que não divulga qual, "não prevê a caracterização" dos veículos terceirizados. A lei permite que carros, usados para segurança, tenham a placa cinza, chamada de placa vinculada, para não serem identificados. A exceção é usada pela polícia e em automóveis de fiscalização. Até os comandantes das Forças Armadas usam os carros sem a identificação. Tanto o Comando da Marinha como o da Aeronáutica têm Mercedes-Benz, doada pela Secretaria da Receita Federal, com a placa branca, mas sem a identificação que cabe aos comandantes, segundo resolução 94 do Contran. Ambas as instituições alegam questões de segurança para não identificar os carros. A Instrução Normativa diz que os carros oficiais dos ministros têm de usar a placa de bronze com as cores nacionais. O ministro das Comunicações, Eunício Oliveira (PMDB-CE), usa um carro do modelo Corolla, de placa branca, sem identificação. Segundo o ministério, "eventualmente, em caráter excepcional, a placa de bronze é retirada, mas é mantida a placa oficial [branca] original do veículo. Isso ocorre, por exemplo, quando o carro vai para revisão mecânica".