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Alta rotatividade - Câmara registrou 197 trocas de partido de 2003 pra cá
A maior bancada do Congresso não tem afinidade ideológica nem se une por interesses econômicos. Para participar do maior grupo parlamentar é preciso ter um requisito comum aos políticos: contar no currículo com pelo menos uma mudança de partido durante o mandato. Desde a posse, em fevereiro de 2003, 152 deputados, quase um terço do total, trocaram de endereço partidário, alguns mais de uma vez . Com isso, o sistema de acompanhamento da Câmara registrou até sexta-feira 197 mudanças de legenda.

Helayne Boaventura Da equipe do Correio A maior bancada do Congresso não tem afinidade ideológica nem se une por interesses econômicos. Para participar do maior grupo parlamentar é preciso ter um requisito comum aos políticos: contar no currículo com pelo menos uma mudança de partido durante o mandato. Desde a posse, em fevereiro de 2003, 152 deputados, quase um terço do total, trocaram de endereço partidário, alguns mais de uma vez . Com isso, o sistema de acompanhamento da Câmara registrou até sexta-feira 197 mudanças de legenda. A maioria dos deputados contentou-se em mudar de partido uma vez, no máximo duas. Mas a sanha do secretário de Governo do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, em controlar a bancada do PMDB na Câmara, filiando congressistas de seu grupo ao partido, gerou novos campeões na modalidade de troca de legenda sem obstáculos. Os deputados Alceste Almeida (PMDB-RR), Ênio Tatico (PL-GO) e Lino Rossi (PP-MT) alcançaram o topo do pódio. Desde que assumiram o mandato, eles já assinaram fichas de filiação quatro vezes. Lino Rossi é o recordista em arrependimento. Às 10h06 do último dia 14, ele comunicou a saída do PP e o ingresso no PMDB. Às 15h47 do mesmo dia, tomou o caminho inverso. Voltou à convivência dos pepistas. No início do governo, quando houve um grande movimento de ingresso em legendas aliadas, a média de mudanças era de duas por semana. Ma o intenso troca-troca dos primeiros dias de 2005 elevou essa média para duas trocas a cada dia. O cenário ficou tão esdrúxulo que até o ex-presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), raposa experiente na política, utilizou, durante a semana, uma comparação inusitada para descrever o movimento no PMDB. "Eles entram no partido agora e saem mais à frente, como se estivessem pegando um táxi", disse. Guinadas ideológicas Nas mudanças partidárias, a identidade com o estatuto do partido é o que menos conta. Alceste Almeida, por exemplo, elegeu-se pelo liberal PL. Mas no dia da posse já deu uma guinada ideológica, filiando-se ao ex-comunista PPS. O deputado não se acomodou, porém, nas fileiras do antigo Partidão. Em apenas 23 dias, deixou o PPS e filiou-se ao PMDB, um balaio-de-gatos onde é difícil identificar um programa. Este ano, Almeida voltou a se movimentar. Entre os dias 14 e 15 deste mês, ocupou-se em idas e vindas entre o PTB e o PMDB. Terminou a semana no seio peemedebista. "Não mais se pode aceitar comportamento como os dos chamados parlamentares de motel, que fazem rodízio pelos partidos", esbraveja o deputado Luiz Couto (PT-PB), um dos poucos a reclamar do troca-troca na Câmara. O espanto e a indignação de alguns parlamentares, porém, estão na contramão da reação dos trânsfugas do Congresso. Eles vêem com naturalidade o fato de trocar de partido como de roupa. "Jogador de futebol beija a camisa, vira ídolo, e depois troca de time. Ator de televisão vive trocando de emissora, jornalistas também mudam de jornal, e ninguém faz comentários", queixa-se o deputado Carlos Willian (PMDB-MG). A revolta do peemedebista, que já foi do PST, do PSB e do PSC, é justamente contra quem critica a prática, como Sarney. "Neste táxi, ele pilota e tem vaga para a filha dele. Sarney não tem moral para falar isso", ataca o mineiro. A senadora Roseana Sarney (PFL-MA) poderá filiar-se ao PMDB e fazer parte do ministério do governo Lula. Sarney era o presidente do PDS, quando deixou o partido, em 1984, para se tornar candidato a vice-presidente de Tancredo Neves pelo PMDB. A mudança de legenda quase sempre é motivada pela busca de espaço político. Se um partido oferece mais condições para o deputado conseguir a vaga de candidato nas eleições seguintes, ele não tem dúvida em arrumar as malas. "Fui para o PMDB por uma situação de sobrevivência eleitoral", conta Willian. A única fidelidade a que os deputados se acostumaram é com o cacique político que comanda seu grupo. O ex-corregedor da Câmara, Luiz Piauhylino (PDT-PE), por exemplo, deixou o PTB - segundo teto partidário neste mandato, depois do PSDB - para acompanhar Roberto Magalhães (PFL-PE), ex-prefeito de Recife. "Eu não gostaria de ter mudado de partido, mas fui premido por questões locais", justifica ele. Magalhães retornou ao PFL e Piauhylino entrou no PDT. Entre os cardeais da política, Garotinho é um dos mestres em construir e esvaziar partidos. O caminho político do deputado Zequinha Marinho (PMDB-PA), por exemplo, foi conduzido, nos últimos anos, pelo ex-governador fluminense. A convite de Garotinho, ele deixou o PTB para construir o nanico PSC no Pará. Com a convocação de inchar o PMDB, ele alistou-se na nova sigla. "O grupo político é muito mais forte do que o partido", diz ele, convicto. Questionados, todos os parlamentares se dizem favoráveis à reforma política. Mas quando se fala em temas concretos, que já tramitam no Congresso, diversos senões surgem na explicação dos deputados. Marinho diz só aceitar a fidelidade partidária (que cria obstáculos para o troca-troca de legenda) se o partido bancar a campanha eleitoral. Hoje cada candidato tem de conseguir os recursos para tentar se eleger. "Quem não tem como apoiar, não tem como cobrar. O marido só pode cobrar fidelidade da esposa porque ele a sustenta", justifica. Para Piauhylino, é preciso mudar as regras internas antes de exigir exclusividade. Para ele, os partidos hoje são comandados com mão-de-ferro. "Se o partido vive ao bel prazer de um dono, o deputado vai ficar escravo do dono do partido?", reclama. Carlos Willian segue o mesmo raciocínio e faz um alerta: "Enquanto a legislação permitir, vou mudar de partido".
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