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O ASTRÔNOMO - Crônica do Aroldo Pinheiro
Entre quibes, pastéis, empadas, refrescos de tamarina, limão, caju, e taperebá, do que seu Mário gostava mesmo era de amassar um croquete. Sua lanchonete, montada estrategicamente ao lado do Cine Boa Vista, servia de arapuca para a garotada.

"- Oi, meu filho, venha cá... Venha ver a Manchete com as fotos do carnaval desse ano; entre aqui pra ver que coisa!!! Não sei onde nós vamos parar. As mulheres estão praticamente nuas..." Isso era seu Mário Grillo, tentando atrair mais uma vítima. O convidado que, movido por curiosidade, atravessasse aquele balcão, tomaria um refresco, comeria alguns salgadinhos expostos na petisqueira, e, uma vez excitado ao ver as fotos "indecentes" mostradas naquela revista, o velho pedófilo aproveitava para saciar suas taras. Mário Grillo era um velho senhor muito branco, olhinhos azuis atrás de limpíssimos óculos de grau em aros de casco de tartaruga, fino, alinhado, educado, inteligente, culto e com ares de pessoa respeitável. No tempo em que não havia banca de revistas na pequena cidade, ele recebia pontualmente exemplares de "O Cruzeiro", "Manchete", "Fatos & Fotos" e "Seleções Readers Digest", donde tirava subsídios para manter-se atualizado com as notícias nacionais e internacionais; abordava e discutia qualquer assunto. Autodidata, era especialista em geografia e estudioso de cartas celestes; perdia horas perscrutando o globo terrestre e complicados mapas. Entre quibes, pastéis, empadas, refrescos de tamarina, limão, caju, e taperebá, do que seu Mário gostava mesmo era de amassar um croquete. Sua lanchonete, montada estrategicamente ao lado do Cine Boa Vista, servia de arapuca para a garotada saudável e sedenta de curiosidade com as coisas mundanas. Toda a cidade sabia das taras de Mário Grillo; alguns meninos não cruzavam à frente do seu estabelecimento, para evitar, assim, ataques do tarado. Seu Mário, muito inteligente, vendo sua freguesia preferida desaparecer, resolveu investir num novo atrativo: encomendou pelo reembolso postal da "Prestimosa", uma luneta de médio alcance e, em noites de lua cheia, montava o artefato na calçada, atraindo, dessa maneira, a garotada para ver os corpos celestes. Sempre que algum incauto se postava para ver os mistérios do cosmo, a mão boba de seu Mário atacava-lhe o triângulo da bermuda, em busca de astro proeminente e palpável; não interessava se a Ursa fosse maior, média ou menor, o velho só queria rosetar. Depois de visitar Marte, Vênus, Saturno e Plutão, o menino era convencido a entrar para conhecer o verdadeiro buraco negro. Aldir Lima passava férias na pequena cidade; domingo foi ao vesperal no Cine Boa Vista, onde assistiu a "O ÚLTIMO PÔR DE SOL", bang-bang clássico; ainda trazia na memória a fumaça do revólver de Rock Hudson, quando, ao passar na frente da lanchonete, dirigindo-se para casa, recebeu convite do velho Mário para desvendar alguns mistérios celestes. Não conhecia a fama nem as artimanhas do tarado e, levado pela curiosidade, aproximou-se da luneta, fechou o olho esquerdo, aproximou o direito do visor, donde passou a admirar as crateras da Lua. Seu Mário encostou-se no guri, e como de costume, passeou com sua mão boba à procura da espada de São Jorge; Aldir, assustado, deu um pulo e pontificou: "- Moço, eu parei aqui pra ver a sua luneta; pare de bulir no meu telescópio..." Claro que seu Mário, muito jeitoso, contornou a situação e, mais tarde, levou o novo astrônomo para dentro da lanchonete. Naquela noite, Aldir viu até um velho anjo tocando flauta. e-mail: [email protected]
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