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Pobreza, violência e desigualdades - Pastor Frankembergen
Não é de hoje que nossa sociedade sofre todo tipo de violência imaginável. São assassinatos, sequestros, estupros, roubos, furtos, desemprego, fome, miséria, falta de credibilidade nos poderes constituídos e, a pior delas, a falta de perspectiva diante do amanhã.

Não é de hoje que nossa sociedade sofre todo tipo de violência imaginável. São assassinatos, sequestros, estupros, roubos, furtos, desemprego, fome, miséria, falta de credibilidade nos poderes constituídos e, a pior delas, a falta de perspectiva diante do amanhã. Alguns dados nos assombram: a violência no Brasil, de acordo com as estatísticas, mata mais do que uma guerra do Vietnã por ano. Assaltos a bancos e sequestros-relâmpagos, antes restrito a grandes centros, hoje assusta e ceifa vidas nos pequenos municípios. Um estudo do BID afirma que, somente em 1995, o orçamento do município do Rio de Janeiro teve um rombo na ordem de 950 milhões de dólares em virtude de perdas materiais em roubos, furtos, internações e atendimento médico a vítimas de violência. De quanto será hoje esse rombo? O mesmo BID avaliou, no ano de 2000, que os custos sociais diretos, advindos da criminalidade em solo brasileiro, chegaram a 10% de nosso PIB. E não faltam especulações. Estatísticas informam que os homicídios em São Paulo são cinco vezes maior que os ocorridos em Nova YorK. E o pior: enquanto apenas 1,7% dos crimes paulistanos levam a alguma condenação, lá mais de 50% são punidos. No Japão, país considerado um dos mais seguros do mundo, 94% dos homicídios são apurados e seus autores presos, julgados e condenados. Já no Rio de Janeiro, informações da imprensa nos dão conta de que o número de latrocínios aumentou em 100% no primeiro trimestre do ano de 2003, comparado com o mesmo período do ano de 2000. Por causa da violência, o Brasil, que recebe anualmente 1 milhão de turistas, poderia receber 8 milhões, o que geraria uma arrecadação anual superior a 8 bilhões de dólares. Por último, vivemos esse clima de insegurança total, quase absoluto, onde a criminalidade deixou de reinar nas favelas, nos subúrbios e nos ambientes mais pobres. Desceu o morro, deixou a periferia e avançou para os centros das cidades e para os bairros de classe social mais alta. Adentrou mansões e já mata autoridades e põe em sobressalto as classes consideradas, até ontem, mais protegidas. Alguma coisa está errada. Aliás, muitas coisas estão erradas, fora de controle. Estão a merecer maior atenção de todo e qualquer cidadão de bem, imbuído de autoridade ou não, para refrear uma onda que, se não estancada a tempo, pode nos levar a décadas e décadas de apreensões e de medo. Teses, teorias e causas, temos aos montes. Todas, acredito, recheadas de argumentos e verdades, além de desejosas a contribuir para que vivamos numa sociedade mais justa, mais humana e mais solidária. Mas, acredito que a falta de Deus, ou seja, de amor ao próximo é um dos fatores que mais tem contribuído para o avanço da violência. Quando o homem se volta para Deus, ele passa a viver diferente na sociedade e especialmente no seio familiar. O próprio Jesus disse: "Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo". Na Câmara dos Deputados foram inúmeros os pronunciamentos que ouvi de colegas, todos recheados de boas intenções, informações objetivas, vontade de se fazer algo e mesmo sugerindo ações de extraordinário valor. Em todos os Estados, municípios e vilas deste nosso Brasil o assunto é trazido à tona e discutido com ênfase e preocupação. Até mesmo fora daqui, lá na Inglaterra e nos Estados Unidos, estudiosos se debruçam, espantados, sobre as cifras que marcam o crescimento da criminalidade em nosso País. O resultado dessa fobia do medo que adentra nossos lares e impregna nossas mentes, são ações e sentimentos os mais negativos: aumento da aquisição de armas pela população civil; formação de gangs que dão a falsa sensação de segurança pelo número de membros e conseqüente violência praticada exatamente pela união de forças; formação de grupos de extermínio; gastos de fabulosos recursos com blindagem de veículos, nem sempre eficazes, etc... etc... Afora isso, mesmo com o programa de desarmamento da sociedade, é sabido que existe em solo pátrio mais de 1 milhão e 500 mil homens armados - na maioria dos casos com armas clandestinas. Esse número, meus caros colegas, me corrijam se estiver errado, é maior do que o efetivo de nossas Forças Armadas. Como disse anteriormente, muitas coisas estão erradas e precisam, urgentemente, de correção. A fome, a miséria, o desemprego, a má distribuição de renda, a saúde debilitada e a má educação dos mais pobres, tudo isso, acredito, contribuem sim para o crescimento da violência. Não necessariamente são as únicas causas, mas fazem parte do leque de fatores que levam pessoas a cometer ações condenáveis. Não faz muito tempo que um ex-Presidente do Banco Mundial, referindo-se à pobreza e à miséria existentes no mundo - e talvez percebendo nessas situações algo prestes a acontecer - afirmou literalmente: "Um dia isso acaba em confronto" . O fato é que, na mesma proporção e intensidade das palavras que buscam alternativas para conter a violência, permanece entre nós a má distribuição de renda e, com ela, a insatisfação que leva ao confronto. Por outro lado, sabemos não ser necessariamente a pobreza o que leva pessoas a se agruparem em gangs ou quadrilhas para o cometimento de barbaridades, sejam assaltos, sequestros ou assassinatos. Se diferentes são as causas que levam os indivíduos à criminalidade, uma coisa existe em comum quando se trata de combatê-la: a inércia, o descaso e o eterno adiamento de decisões que, efetivamente, vão ao cerne do problema. Onde erramos? Estará o problema em nossa grandeza continental? Por que, diante de tanta riqueza, tanto sol, tanta terra disponível ao plantio e à fartura, tanta fauna e flora de fazer inveja por sua diversificação e utilidade; tantas inteligências e tantas outras vantagens diante da maioria dos países do mundo, por que, repito, tanta violência? Por que tanta miséria e tanta fome permeando tanta riqueza? Será mesmo verdade que não somos capazes de administrar nossas riquezas e melhor distribuir a renda nacional? Como justificar tanta violência no campo e nas cidades, onde se mata por um prato de comida, por um par de tênis ou por centavos? Por que famílias inteiras estão vivendo na promiscuidade, na mais injusta e vil das degradações? O que será que fazem determinados países, cujas dimensões territoriais se comparam aos menores estados brasileiros e, mesmo vivendo sob neve, conseguem promover toda sorte de bem-estar ao seu povo? Milagre, certamente, não é. Terá razão aquele economista que afirma que parte da violência existe pelo fato de sermos um dos países com maior carga tributária do mundo? Será que é verdade que estamos apenas nos preocupando com a violência/fruto da miséria, e nos esquecendo da violência praticada nos altos escalões? Até onde é verdadeira a aliança entre criminosos de colarinho branco e quadrilhas de favelas? Estarão com razão aqueles que afirmam predominar essa violência em virtude de leis amenas, que possibilitam pequenas punições ou inumeráveis recursos que redundam na impunidade? A construção de mais presídios seria mesmo a solução? Ou será verdade que o problema reside na falta de recursos para a educação? Até onde poderá ter razão aquele que afirma que o menor abandonado de hoje será o delinqüente de amanhã? Nossas crianças têm acompanhamento pedagógico satisfatório, com aprendizado adequado às suas aspirações? Milhares de indagações poderia continuar repetindo aqui. Não as farei porque, a bem da verdade, continuarão apenas sendo indagações sem respostas ou, na pior das hipóteses, alimento para discussão estéril. Existe, até, contrariando a mais divina de todas as obras, que é a Vida, quem pregue a pena capital como a definitiva e última instância para calar a violência. Onde chegamos? A violência, a meu ver, é uma. Não importa se praticada por grandes ou pequenos, ricos ou pobres, traficantes ou seqüestradores. Quaisquer que sejam, com títulos ou não, ao cometerem atos delituosos, cometeram, igualmente, violência. A violência contra a vida, a violência contra a propriedade ou a violência contra a moral e os costumes. E não há dúvidas: existem fortes laços a unir todas essas ações umas às outras. Se apenas a pobreza fosse a causa primeira da violência entre nós, seria de fácil solução. No Brasil a pobreza é por demais conhecida. Sabemos onde está, como está e, em planilhas, tabelas e percentuais, é guardada nas gavetas da burocracia, em elaborados e minuciosos estudos. Sabemos, em números reais, que a intensidade de nossa pobreza é muito mais elevada na zona rural do que na zona urbana. Enquanto 28% da população urbana é pobre, na zona rural 58% das pessoas vivem abaixo da linha de pobreza. E a violência tanto está no campo quanto nas cidades. Sabemos que 80% dos brasileiros vivem nas cidades e constatamos que 65% dos nossos pobres hoje vagueiam pelas urbes. Do ponto de vista regional, as estatísticas mostram que a incidência da pobreza no Norte/Nordeste é estarrecedora, atingindo 60% de nossos irmãos, dos quais, mais triste ainda, 32% estão sobrevivendo abaixo da linha da indigência. Nas regiões Sul/Sudeste, 20% de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza e, destes, 6% abaixo da linha de indigência. Não importam esses percentuais, a violência tanto impera no norte, quanto no sul, no nordeste, no sudeste e no centro-oeste... A situação fica mais desesperadora quando sabemos que, apesar de as regiões Norte/Nordeste abrigarem apenas 29% da população brasileira, elas respondem pelo astronômico percentual de 51% de todos os pobres deste País. Aqui, Senhor Presidente, mesmo com esses percentuais assustadores, a violência não é maior que nas outras regiões brasileiras. Conheço a gravidade do problema, sei que cabeças dotadas de conhecimentos específicos se debruçam sobre a questão, como também sei das preocupações e interesse do Presidente da República e de milhões e milhões de brasileiros e brasileiras que realmente têm consciência do problema e para seu sanar praticam ações as mais nobres. Creio num Brasil melhor e não acho ser utopia o bom relacionamento entre as pessoas. É preciso, para isso, que na cabeça de cada brasileiro prevaleça a consciência de que o semelhante é uma pessoa igual a ele próprio. Se pobre ou rico, branco ou negro, letrado ou humilde, é preciso a consciência plena de que somos iguais em carne e osso, em aspirações e desejos; que da mesma forma sentimos frio e calor, dores e alegrias; temos família e vivemos em comunidade. Se, juntos, combatermos a violência em todos os níveis, o Brasil será melhor. Para isso, todavia, é necessária a união de esforços entre governos federal, estaduais e municipais. Precisamos de ações sérias, a exemplo do que fazem países como Japão, Estados Unidos, Inglaterra e tantos outros, que possuem uma verdadeira política de segurança, praticada através de registros, monitoramento e análise da criminalidade em todas suas formas e nuances. Sabemos, por demais até, que o planejamento e o monitoramento de qualquer política pública requer coleta, sistematização e análise de dados básicos sobre o fenômeno. Quem não se lembra do dragão de nossa inflação, por anos a fio considerado imortal? Derrotamos o monstro. E o derrotamos exatamente através de uma política onde o planejamento e o monitoramento se fizeram e ainda se faz constante. O mesmo podemos fazer com essa famigerada violência para, no mínimo, diminuí-la a níveis toleráveis. A meu ver, da mesma forma que agimos contra a inflação; da mesma forma que o governo e o empresariado agem para acompanhar e entender o comportamento das variáveis econômicas, devemos agir contra a violência. Ou seja, é preciso a união de esforços, dentro e fora do governo, com a ativa participação da sociedade, e a imediata liberação de recursos compatíveis com a importância do problema para lhe fazer frente. Não vão adiantar discursos, nem vamos melhorar a situação procurando ou apontando culpados. Precisamos ter coragem de assumir que, na verdade, não existe planejamento; não existe monitoramento eficaz do problema; não existe uma coleta sistemática de dados; não existe um intercâmbio de informações entre as polícias, os Estados e os municípios. Também é preciso coragem para dizer que nosso sistema penitenciário está quase falido; que os baixos salários de quem cuida da segurança deixam muito a desejar; que há de se aumentar os efetivos, melhorar as condições de trabalho e rever as ações das diferentes polícias, não raramente conflitantes. Somente assim, com investimento pesado, dirigido para ações sérias, e monitoramento diuturno do problema, iremos dar início a um eficaz combate aos desmandos que vivemos. Por outro lado, é inadmissível que um país como o nosso, com renda per capita relativamente alta, continua a ser um dos piores países do mundo no grau das desigualdades. E continuaremos assim enquanto permanecermos com o indigno percentual de quase 40% de nossa população a viver abaixo a linha de pobreza. Da mesma forma inadmissível, é também figurarmos no mapa mundial das injustiças como um dos países de maior concentração de renda nas mãos de tão poucos. Esses dados servem, sim, para mostrar que 12% de nossa população economicamente ativa é representada por jovens e crianças famintas, analfabetas, que retiram seu sustento em trabalho considerado escravo. Até quando, neste País, vamos continuar fazendo vista grossa para o sumiço de vultosos recursos que, diuturnamente, escoam pelo ralo do desperdício, da corrupção e da má aplicação? Não poderiam estes recursos estar fazendo frente ao controle da violência? Por mais dolorosas que possam ser essas verdades, elas precisam ser enfocadas. Esquivar-nos do problema ou deixá-lo à margem dos grandes projetos nacionais é, a meu ver, o mesmo que armar uma bomba de efeito retardado, cuja explosão e estrago são imprevisíveis. Precisamos, urgente, nessa questão da violência, reprogramar nossos programas, reavaliar nossas prioridades e reordenar nossas ações. A sociedade, diferente do que muitos pensam, está atenta ao problema e quer uma solução. Não uma solução de palanque, ou em forma de programa partidário. Não. Nosso povo está farto e exige um basta. Cansou de ver seus filhos seqüestrados ou mortos. Está cansando de pagar impostos e sentir medo de quem deveria lhe defender. Mesmo preso em sua residência, cercado por grades, portões eletrônicos e muros eletrificados, o brasileiro continua a respirar insegurança. E o pior: se sente ludibriado. Se sente só, desamparado. Com tudo isso, todavia - e tenho plena consciência do que agora vou dizer -, o brasileiro acredita, tem esperança e, acima de tudo, tem FÉ. Nosso povo é extremamente solidário, justo, crente na solução de nossos problemas e não se esquiva quando é chamado à luta. Consciente de seus deveres, nos últimos tempos conscientizou de seus direitos e aprendeu a por em prática os artigos, parágrafos e alíneas que o protege. Em meio aos infortúnios que nos cercam, a esmagadora maioria de nosso povo ainda luta por um novo padrão de dignidade. Faço parte dessa maioria e acredito, em meio à descrença, que as relações indivíduo-sociedade em nosso País tem solução. Vamos tirar o Brasil da odiosa classificação de um dos piores países do mundo nas desigualdades sociais. Vamos re-estudar formas de aplicação mais equânime dos recursos que todos os brasileiros produzem. Vamos combater, com realismo, dignidade e ações práticas, a violência que impera em todo o País. É preciso sairmos do discurso fácil e passarmos à ação. É preciso a elaboração de programas que acabem com a injusta desigualdade entre irmãos. É preciso a implantação de projetos que interiorizem o desenvolvimento e a locação dos recursos que definitivamente consolidem esses projetos. Muito, reconheço, já se fez neste país nas últimas décadas. Mas muito, muito ainda, é preciso ser feito. Façamos, a partir de agora, valer nossa condição de autoridades e vamos definitivamente contribuir para o desmantelamento dos que praticam a violência em todos os níveis. Vamos aproveitar todo nosso potencial para fechar o cerco àqueles que insistem no "quanto pior, melhor" e cujo intuito é apenas o lucro fácil, o ilícito e o infame à custa da miséria e do sofrimento de nós outros. O trabalho, fonte de enriquecimento compensador em todos os sentidos, é o único argumento das possibilidades que deságuam na verdadeira felicidade. Vamos, sim, promover os meios para gerar empregos para todos quantos precisam e querem trabalhar. Vamos voltar nossos olhos para nossas crianças para que também elas tenham intenso e constante trabalho nos bancos escolares, nos deveres sociais, com a família, na sua formação moral, física, psíquica e intelectual. Vamos, enfim, fazer uma revolução social neste País de Homens e Mulheres sérios que não mais aceitam viver reféns do medo e da angústia. Tenho absoluta convicção, numa análise com os olhos voltados para o futuro, que os recursos hoje necessários para combater a violência, amanhã serão insignificantes diante do retorno que beneficiará a Nação inteira. Não há mais como fugirmos dessa estrada. O povo decidiu que quer assim e, neste caso, esperar não é saber.
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