00:00:00
Governo articula Nobel para Lula
Quando abrir amanhã a Cúpula Mundial contra a Pobreza e a Fome, em Nova York, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será protagonista de um espetáculo inédito na história da diplomacia brasileira. Atendendo a uma convocação de Lula, chefes de Estado e de governo de 57 países estarão reunidos, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), para discutir uma espécie de Fome Zero em escala global. É pouquíssimo provável, como é de praxe nessas conferências internacionais, que a reunião tenha resultados práticos imediatos.

Guillherme Evelin Da equipe do Correio Quando abrir amanhã a Cúpula Mundial contra a Pobreza e a Fome, em Nova York, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será protagonista de um espetáculo inédito na história da diplomacia brasileira. Atendendo a uma convocação de Lula, chefes de Estado e de governo de 57 países estarão reunidos, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), para discutir uma espécie de Fome Zero em escala global. É pouquíssimo provável, como é de praxe nessas conferências internacionais, que a reunião tenha resultados práticos imediatos. Mas Lula já pode cantar uma vitória política. Além da mobilização internacional que ele conseguiu criar em torno do tema da fome, a mera realização da cúpula já lhe rendeu alguns preciosos dividendos. Primeiro, em termos pessoais. Nunca antes um presidente brasileiro conseguira um palanque na ONU com essa capacidade de reverberação. 'O presidente Lula é hoje uma liderança internacional. Ninguém mais tem dúvidas sobre isso', diz Frei Betto, assessor especial da Presidência e um dos encarregados dos preparativos para a reunião de Nova York. 'Num mundo em que a agenda dominante é a segurança e o terrorismo, Lula usa a questão social para projetar esse papel internacional. Está conseguindo isso no imaginário das pessoas e no terreno das palavras, o que, na política, não é pouco. Tudo isso sem fazer oposição aos Estados Unidos', diz Demétrio Magnoli, doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP). Para Frei Betto, um dos sinais da liderança exercida por Lula apareceu no dia da apresentação do relatório técnico com as propostas de financiamento defendidas pelo Brasil - com o apoio de França, Chile e Espanha - para reduzir até 2015 a população mundial que sobrevive com apenas um dólar por dia (meta estabelecida em 2000 pela Cúpula do Milênio das Nações Unidas). Representantes oficiais de 104 países apareceram para tirar cópias do relatório. Não é um êxito casual, apesar da chegada de Lula à Presidência do Brasil ter despertado imensa curiosidade no mundo por causa da sua trajetória pessoal e sua biografia de ex-líder operário. A cúpula de Nova York se insere em uma estratégia, até aqui bem-sucedida, seguida pelo Palácio do Planalto desde os primeiros dias do governo do PT. Os assessores de Lula perceberam que ele poderia preencher um vácuo no cenário externo - a ausência de líderes capazes de reacender a imaginação de uma esquerda internacional à deriva, em meio à paranóia antiterrorista ditada pela política do governo George W. Bush nos EUA. 'O mundo está carente de grandes líderes humanistas como foram Martin Luther King, Lech Walesa, Nelson Mandela', diz o secretário de Relações Internacionais do PT, deputado Paulo Delgado (MG). O auge seria a premiação do presidente Lula com o Nobel da Paz, um sonho que alguns assessores do Palácio do Planalto não escondem. 'Eu gostaria que ele fosse indicado', admite Frei Betto. -------------------------------------------------------------------------------- Críticas à oposição Ana Nascimento/ABr O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou ontem a postura da oposição ao governo no Senado Federal em relação ao projeto que cria as Parcerias Público-Privadas (PPPs). Em discurso durante apresentação do projeto que amplia a produção do pólo petroquímico da Petrobras no ABC paulista, Lula disse que a disputa política está retardando a aprovação do projeto. 'No Senado, a única explicação que eu tenho é que isso é uma questão política. Não querem aprovar por questões menores', enfatizou. O presidente pediu que os senadores oposicionistas tenham 'grandeza' com o Brasil. Na avaliação do presidente, as eleições municipais não podem impedir o Congresso Nacional de aprovar as matérias essenciais ao crescimento. 'O país não pode permitir que ma eleição municipal atrapalhe o desenvolvimento do país, o crescimento da economia', disse. O presidente elogiou a presença do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), no evento realizado esta manhã pela Petrobras. 'Apesar das divergências políticas e eleitorais, é demonstração que podemos ensinar o mundo a fazer política civilizada', afirmou Lula. -------------------------------------------------------------------------------- Uma política externa de esquerda A contrapartida interna desse jogo internacional de Lula oferece várias vantagens. O palanque externo contra a fome e a pobreza no mundo permite ao PT da diplomacia continuar a ser o PT que ele deixou de ser no plano interno - por estar amarrado a uma política econômica ortodoxa comprometida com altos superávits primários e contenção de gastos. 'A aparência de esquerda da política externa do governo Lula tem um evidente componente interno, que é a de procurar compensar a continuidade da política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso', diz o cientista político José Augusto Guilhon de Albuquerque, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), um intelectual próximo aos tucanos e um crítico da política externa do governo Lula. O toque de esquerda não se dá apenas na defesa da agenda do combate à fome e à pobreza. O Itamaraty, na gestão do ministro Celso Amorim, colocou como uma das suas prioridades ampliar a influência do Brasil para além dos limites da América do Sul, tradicional território da geopolítica brasileira. O objetivo é fazer o país ganhar peso nas questões externas de modo a exercer um papel de 'transformação' no cenário internacional e não simplesmente se adaptar a ele, como sustenta o secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães. Ásia e África Com essa meta no horizonte, o governo Lula tem dado ênfase à aproximação com países na África e na Ásia com estágio de desenvolvimento semelhante ao brasileiro. No jargão dos diplomatas, isso é batizado com o pomposo nome de diálogo Sul-Sul. Na prática, se traduziu na formação pelo Brasil de grupos como o G-3, em sociedade com a Índia e a África do Sul, e o G-20, que reúne países em desenvolvimento no âmbito das negociações em curso na Organização Mundial de Comércio (OMC). São iniciativas que marcam a ambição de fortalecer um 'mundo multipolar' ou construir uma nova geografia econômica e comercial, como tem pregado o presidente Lula mundo afora. Outro lance ousado dessa política foi o envio de tropas brasileiras para liderar a missão de paz das Nações Unidas no Haiti - um país das Américas em que o Brasil não tem qualquer interesse político ou econômico direto. No governo, a participação na missão no Haiti é encarada como uma forma de mostrar que o país tem condições de aspirar a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, reivindicação feita pelo Brasil desde o governo José Sarney. 'O eixo da política externa brasileira tem sido a busca dessa vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. É uma obsessão do Celso Amorim', opina Demétrio Magnoli. Poderio militar Essa política externa mais assertiva tem seus limites. A capacidade de o Brasil projetar influência externa esbarra no escasso poderio econômico e militar do país. O envio dos 1.200 homens ao Haiti vai custar ao país, pelo período de seis meses, cerca de R$ 150 milhões. A reforma da ONU está sendo discutida há dez anos. Se um dia vier a ser implementada e o Brasil ganhar a vaga no Conselho de Segurança da ONU, estima-se informalmente que o país terá de triplicar, por causa dos custos das missões de paz, o valor das suas contribuições anuais para as Nações Unidas - hoje na casa dos US$ 45 milhões. Na aproximação com os países mais pobres, Lula já perdoou mais de US$ 300 milhões em dívidas, mas há muito ceticismo em alguns setores quanto aos resultados da política Sul-Sul seguida pelo Itamaraty. O setor do agronegócio, principal motor das expansão das exportações brasileiras nos últimos anos, avalia que ela fornece um bom discurso para o governo, mas vai trazer poucos resultados concretos. 'É importante essa aproximação, mas o que vai gerar maior comércio para o Brasil - e mais emprego e renda no país - vão ser acordos com os países que têm mercados mais fortes', diz Marcos Jank, diretor do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), uma organização fundada pelo agronegócio para influenciar a política comercial brasileira.
COMENTÁRIOS