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Marola em águas rasas - Por Francisco Espiridião
Cada dia vejo mais premente a necessidade de se estabelecer um instrumento ou organismo legal que venha nortear a existência do jornalista como profissional. Um instrumento que impeça, sem grandes alaridos, que ele seja usado como bucha de canhão nessa intrincada guerra de poder na qual está inserido.

Cada dia vejo mais premente a necessidade de se estabelecer um instrumento ou organismo legal que venha nortear a existência do jornalista como profissional. Um instrumento que impeça, sem grandes alaridos, que ele seja usado como bucha de canhão nessa intrincada guerra de poder na qual está inserido. Reclamo, sim. Chego mesmo a sonhar com o estabelecimento de uma espécie de OAB dos jornalistas. Uma OJB corporativista. Desnuda de qualquer pudor. Onde o profissional de imprensa - mesmo aquele sem grande expressão, menos por incompetência e mais por ser neófito - possa contar com o respaldo necessário para se manter caminhando a passos largos no estreito caminho da ética. Da ética jornalística, mais precisamente. Depois de uma enxurrada de discussões ao longo do tempo, ao longo de incontáveis congressos nacionais em que a categoria participa de forma aguerrida, chega-se, afinal, a uma tênue possibilidade de isso vir a se tornar realidade. O governo FHC, em seu ocaso, chegou a ensaiar a possibilidade de encaminhar projeto ao Congresso nesse sentido. Ficou só na expectativa. Por obra do destino, coube ao governo Lula da Silva abraçar a idéia, e enviar ao Congresso não uma proposta de Ordem dos Jornalistas do Brasil, mas sim de criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), a exemplo do Conselho dos Enfermeiros (Coren), dos Engenheiros e Arquitetos (Confea), dos Médicos (CFM) etc. Ao se concretizar essa decisão, apesar de reclamada pela categoria há décadas, provocou reação apocalíptica. Argüiu-se, principalmente, uma tal "liberdade de imprensa" (algo extremamente utópico) que, no frigir dos ovos não passa de uma absurda e iminente defesa da "liberdade de empresa". O apedrejamento da idéia foi generalizado. Franco-atiradores surgiram de todos os lados. Até mesmo de onde nada se esperava. O que não é, evidentemente, o caso da classe patronal ligada ao setor da comunicação social. Afinal, os integrantes dessa casta cultivam o axioma do "deixa como está para ver como é que fica". Para eles, como está está de bom tamanho. Basta ver quem saiu em defesa do "status quo". As revistas Veja e Istoé chegaram às raias do impossível na busca de sufocar o projeto em seu nascedouro. Boris Casoy, aquele do bordão "Isto é uma vergonha!" foi outro. O que ele não confessa é que, enquanto "está com o burro na sombra", faturando mensalmente salário que ultrapassa a casa de algumas centenas de milhares de reais, quem trabalha na ponta para lhe fornecer a matéria prima, a notícia propriamente dita, ganha minguado piso salarial. Isso, quando ganham. Bom lembrar, ainda, que o projeto encampado pelo governo petista, ao que consta, não chegou a sofrer em sua gestação qualquer interferência, nem mesmo um dedinho sequer, dos barbudos vermelhos, por quem eu, particularmente, nutro minhas reservas. Foi encaminhado com canetada do Presidente porque cabe unicamente ao governo, e só a ele, encaminhar tais expedientes. Volto a enfatizar que o projeto que chegou às mãos dos representantes populares nas duas casas do Parlamento reflete o anseio dos jornalistas brasileiros. Não dos tubarões. Esses querem mais é distância de qualquer instrumento que possa representar ameaça às suas conquistas enviesadas. Através do CFJ, o repórter, ainda que aquele incipiente, poderá dizer não à sanha incontrolável de patrões antiéticos que buscam, pragmaticamente, aumentar seu patrimônio a qualquer custo. A situação em que o profissional de jornalismo vive hoje é a mesma de um barco à deriva. Vai para onde a onda - digo, o patrão - lhe levar. Afinal, ele depende do salário de fome que lhe é pago. Salário este que, via de regra, não lhe permite formalizar um minúsculo patrimônio que lhe dê cancha para "chutar o pau da barraca" num momento em que o patrão lhe pressionar para fazer algo que sua consciência condene. O advento de um Conselho que congregue jornalistas será bem-vindo. O projeto em questão não apresenta em momento algum um anjo-mau ou mula-sem-cabeça a ameaçar qualquer profissional que tenha como escopo o bem-servir a sociedade. Se o bicho-papão do projeto é a possibilidade de julgamento de maus profissionais, esse argumento é pífio. Hoje, com a estrutura sindical e associativa que a classe dispõe, já se tem essa possibilidade, ipsis litteris. Os sindicatos de jornalistas Brasil afora mantém em suas estruturas um Conselho de Ética. Coisa mais que salutar num estado de direito. O Conselho, por fim, tirará das garras do governo a decisão de conceder ou não registros profissionais - muitas vezes fajutos. Que venha o Conselho. Lutar contra isso é fazer marola em águas rasas. Candinha pura. (*) Jornalista - autor de "Até Quando? Estripulias de um governo equivocado"; [email protected] (Artigo publicado no Jornal Brasil Norte - Boa Vista Roraima, em 10/09/2004)
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