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A loucura de Deus - Por Francisco Espiridião
Nessa visita que o presidente Luís Inácio Lula da Silva faz a países africanos, no mês passado, uma cena em particular chamou-me a atenção. Não que eu venha agora ficar emocionado com pouca coisa. Do alto de meu quase meio século de vida já não me resta espaço nem disposição para tanto. Mas, convenhamos, a cena foi de encher os olhos.

Nessa visita que o presidente Luís Inácio Lula da Silva faz a países africanos, no mês passado, uma cena em particular chamou-me a atenção. Não que eu venha agora ficar emocionado com pouca coisa. Do alto de meu quase meio século de vida já não me resta espaço nem disposição para tanto. Mas, convenhamos, essa cena foi de encher os olhos. Não estou falando da disposição do presidente brasileiro em anistiar o governo do Gabão de dívida junto ao País tupiniquim, contraída pelo presidente Omar Bongo, que se perpetua por quase 40 anos no poder. Tampouco falo do discurso inflamado em favor dos pobres. Disso, já estamos mais que saturados. Pelas bandas de cá do Mundo o que não falta é gente paupérrima. Para vê-la, ninguém precisa ir à África. A cena que quero trazer à retina de todos nós é a do presidente Lula tomando em seus braços um menino branco - coisa rara naquelas paragens - enrolado numa bandeira verde-amarela. Filho de missionários evangélicos brasileiros, o menino está, por certo, vivendo uma das melhores experiências que um ser humano poder ter: conhecer de perto as agruras desse mundo tão ingrato e saber, desde pequeno, que nem tudo são flores. O cenário deste encontro é São Tomé e Príncipe, uma republiqueta habitada por aproximadamente 135 mil pessoas - metade da população de Boa Vista. É formada por duas pequenas ilhas localizadas a 150 quilômetros da costa oeste da África, em pleno Oceano Atlântico. Após séculos de colonização portuguesa, São Tomé e Príncipe alcançou sua independência em 1976. Para se viver ali, é preciso ser de circo. Com inflação rondando os 200% ao mês e plano econômico que promove a exclusão social, os são-tomenses que não fazem parte da minúscula e abastada elite, experimentam tudo o que há de vicissitudes tão comuns aos africanos, de um modo geral. Segundo o jornalista José Vidal, do site Uol/Mochila Brasil, na área da educação o País só oferece o ensino fundamental. A partir daí é necessário buscar outros centros - Lisboa, a capital portuguesa, é a mais procurada. Desnecessário dizer que a procura por ensino de qualidade se dá apenas entre os integrantes da "casta superior". Na área da saúde, as dificuldades são tamanhas ou maiores. Em todo o País não há um único cardiologista para atender a população. Há dois anos o governo dispunha de apenas um médico clínico. O chefe da psiquiatria era um técnico em radiologia, e os partos são feitos em sua maioria por parteiras. Para não destoar do restante da África, as doenças sexualmente transmissíveis se espalham assustadoramente. Apesar de ser um país encantador sob o ponto de vista ecológico, haja vista que a vegetação que cobre o território continua com 70% de suas matas naturais intactas, o turismo ali sequer é cogitado. Isso, porque doenças como a malária, por exemplo, impedem que o País receba visitantes. A malária é responsável por 60% das mortes, tanto de adultos como de crianças. É esse cenário inóspito que casais missionários brasileiros - de classe média no geral - têm escolhido para viver e, muitas vezes, criar os filhos. Não que sejam loucos ou masoquistas, mas são impelidos por um sentimento maior: o amor de Deus pelas pessoas necessitadas. Vão lá pregar a Palavra de Salvação apenas em troca do consolo que o Espírito Santo lhes proporciona ao coração. Se falar da Palavra de Deus aqui, na coxia de minha casa já é considerada uma loucura, o que dizer então da aventura de encarar um lugar tão insalubre para proclamar que Jesus Cristo é a única esperança? "Porque a palavra da cruz é deveras loucura para os que se perdem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus." (I Coríntios 1.18). Embora sejam considerados por muitos como loucos, os pais do menino abraçado por Lula na terça-feira passada, em São Tomé e Príncipe, têm a plena convicção de que vale a pena levar a Palavra a pessoas que estão morrendo sem Deus, sem paz e sem salvação. Ainda que para isso tenham que se expor à desdita de sucumbir ante a uma malária ou outra doença tropical ali adquirida. Que o diga o casal de missionários Josué e Izabel Ferreira, ele psicólogo clínico e bacharel em teologia (pastor consagrado), ela educadora religiosa. Ambos acabam de retornar de Angola, onde passaram três anos de suas vidas pregando o evangelho a pessoas mutiladas por minas terrestres, pessoas que sabem o que é comer uma única vez a cada três ou quatro dias, pessoas que só experimentam uma roupa nova quando recebem doação. Este casal, que morou em Boa Vista por sete anos, e nesse tempo pastoreou a Igreja Batista da Liberdade, sobreviveu a doenças importantes - como dizem os médicos -, como malárias - algumas - e febre tifóide, na cidade de Huambo (Angola). Isso sem falar no constante risco de voar pelos ares ao se deslocar em solo angolano, onde para cada habitante há mais de uma mina enterrada. O presidente Lula, ao abraçar aquele menino brasileiro, deve ter sentido todo esse drama. E, muito provavelmente, não deixou de classificar os seus pais como verdadeiros loucos. O que ele não deve saber, no entanto, é que "a loucura de Deus é mais sábia que os homens." (I Coríntios 1.25a). (*) Jornalista, autor de "Até Quando - Estripulias de um governo equivocado", já nas bancas; Diácono da Igreja Batista da Liberdade - Boa Vista - Roraima Fonte: Foto Agência Brasil - http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI350409-EI1194,00.html
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