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Os números da mediocridade - Por JORGE BORNHAUSEN
A verossimilhança põe mentiras de pé, pelo menos até que se prove que o acontecimento possível não aconteceu. Como foi o caso do programa Fome Zero. Finalmente, materializava o espírito da eleição de Lula. Foi o que uma propaganda maciça tentou fazer acreditar. Primeiro, que se tratava da aplicação de um plano genial; segundo, que era uma reação efetiva para salvar da miséria a população pobre do país. Mentira; não era uma coisa nem outra.

A verossimilhança põe mentiras de pé, pelo menos até que se prove que o acontecimento possível não aconteceu. Como foi o caso do programa Fome Zero. Finalmente, materializava o espírito da eleição de Lula. Foi o que uma propaganda maciça tentou fazer acreditar. Primeiro, que se tratava da aplicação de um plano genial; segundo, que era uma reação efetiva para salvar da miséria a população pobre do país. Mentira; não era uma coisa nem outra. Hoje sabe-se que não havia plano nenhum e, principalmente, que os compromissos ideológicos do PT também eram uma fraude (o que não impediu que até os organismos internacionais se emocionassem com o que parecia ser uma reação inédita de um país emergente para resgatar sua "dívida social"...). Ninguém fala mais do Fome Zero, embora muitos marqueteiros espertalhões tenham feito fortuna com sua propaganda. Imaginem que houve até uma feira de negócios em São Paulo para explorar o Fome Zero, com estandes, recepcionistas e tudo mais. Embora passados 18 meses e a mentira do Fome Zero já tenha se esgotado, pode-se dizer que ela sobreviveu por muito tempo. Já com relação aos números, o governo Lula não terá o benefício da verossimilhança. O truque com os números da economia não terá tal longevidade. Mesmo que o governo o esteja explorando com a conivência de muitos aproveitadores. Ou de inocentes bem intencionados que imaginam usar esses números para criar uma onda de otimismo e, realmente, inverter a maré baixa que nos persegue. -------------------------------------------------------------------------------- Números verdadeiros tornam-se fraudes quando usados da maneira que o governo Lula os está divulgando -------------------------------------------------------------------------------- Os números apregoados da economia brasileira -observem que todos são tomados aleatoriamente, sem guardar relação entre si e, principalmente, sem comparação com séries históricas- estão sendo montados cavilosamente para dar a impressão de que resultam de genial ação de governo e que o Brasil finalmente alçou vôo para seu futuro prodigioso. Observando atentamente -basta ler os colunistas econômicos e as análises dos nossos principais consultores-, vê-se que a coisa não é bem assim. Pelo contrário. Primeiro, os números que o governo apresenta não são relevantes. Diz ele que as projeções apontam para um crescimento de 3,5% da economia brasileira. No entanto as previsões de outros países emergentes (China, Rússia, Índia e até a Venezuela, do tão querido coronel Chávez, estadista modelo para o Palácio do Planalto) são de 8%, 9%, ou até 10% e mais. Aliás, a média mundial de crescimento prevista é de 4,7%. Qual a razão para o governo do PT celebrar futuros 3,5% como grande feito, sem lembrar que em 2003 tivemos um crescimento negativo de 0,2%? Sem dizer que há um surto mundial de crescimento, celebrar um número nacional abaixo da média mundial é uma enganação insuportável, prova inaceitável de cinismo. Os números da economia brasileira são medíocres, revelam má gerência, imprevisão, irracionalidade -onde já se viu absurdo maior do que a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) ter aumento de 143%?- e temeridade, caso de os juros estarem em 16%, com ameaça de voltarem a subir, se o Copom aplicar sua própria lógica de que esse é o único remédio para inflação em alta. Números verdadeiros tornam-se fraudes quando usados da maneira que o governo Lula os está divulgando e representam uma mentira que precisa ser desmascarada. É equívoco pensar que a realidade atrai pessimismo ou condena ao desespero. Frustração é o que vai acontecer -e na verdade acontece ciclicamente neste país- quando essa euforia artificial for desmascarada e se demonstrar que tudo isso teve objetivos eleitorais. O governo está desesperado e o presidente caminha temerariamente no fio da navalha do capítulo das suas obrigações constitucionais ao apregoar esses números incompletos (e portanto falsos, pois a meia verdade é uma mentira). Já contrariou, por exemplo, o artigo 73, inciso VI, da Lei Eleitoral, que exige "motivo relevante ou de urgência" para justificar a convocação de rede de rádio e TV em período eleitoral. Lula foi ao rádio e à TV apenas para apregoar esses números incompletos, disfarçando a mediocridade que os reveste. O presidente falou do crescimento de empregos, sem lembrar que não compensa o milhão de vagas canceladas durante a recessão ocorrida já sob seu governo, em 2003. Cenários falsos em tempo eleitoral constituem ato de lesa-democracia e um truque que só marqueteiros irresponsáveis e gananciosos aceitam explorar, pois contrariam os próprios princípios de auto-regulamentação da propaganda comercial. -------------------------------------------------------------------------------- Jorge Konder Bornhausen, 66, é senador pelo PFL-SC e presidente nacional do partido. Foi governador de Santa Catarina (1979-82) e ministro da Educação (governo Sarney) e da Secretaria de Governo da Presidência da República (governo Collor).
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