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País paga alfabetização, mas ignora resultado

Leitura. A palavra, como outras tantas, é apenas um amontoado de letras sem sentido para 15% dos alunos que concluem o curso da Alfabetização Solidária, a principal parceira do governo federal na primeira etapa do mutirão que pretende reduzir o número de analfabetos no país (15 milhões de pessoas com mais de 15 anos). A organização não-governamental foi a única parceira do programa Brasil Alfabetizado até agora a investigar o desempenho dos alunos, a qualidade do aprendizado. Mas o Ministério da Educação passou por cima desses detalhes. Inclui na conta dos atendidos todos os matriculados em cursos pagos pelo governo, independentemente do aprendizado.

MARTA SALOMON LUCIANA CONSTANTINO Folha de S. Paulo Leitura. A palavra, como outras tantas, é apenas um amontoado de letras sem sentido para 15% dos alunos que concluem o curso da Alfabetização Solidária, a principal parceira do governo federal na primeira etapa do mutirão que pretende reduzir o número de analfabetos no país (15 milhões de pessoas com mais de 15 anos). A organização não-governamental foi a única parceira do programa Brasil Alfabetizado até agora a investigar o desempenho dos alunos, a qualidade do aprendizado. Mas o Ministério da Educação passou por cima desses detalhes. Inclui na conta dos atendidos todos os matriculados em cursos pagos pelo governo, independentemente do aprendizado. Faz alguma diferença. A Alfabetização Solidária, por exemplo, concluirá no segundo semestre o atendimento a 365 mil estudantes do Brasil Alfabetizado. Seguindo o padrão verificado nas últimas turmas da ONG, além dos 15% que continuam analfabetos, 30,8% só conseguem compreender palavras isoladas e 26,6%, somente fragmentos de textos. Na primeira etapa do Brasil Alfabetizado, iniciada no segundo semestre de 2003, o ministério abandonou a idéia de avaliar a qualidade da alfabetização nos moldes originais. Limitou-se aos números: 1,9 milhão de pessoas atendidas com dinheiro da União e mais 1,3 milhão com recursos da sociedade. O governo gastou R$ 175 milhões, sendo que R$ 122 milhões foram repassados às ONGs. Timothy Denis Ireland, diretor de educação de jovens e adultos do MEC, diz que não seria possível fazer uma avaliação da qualidade do aprendizado sem conhecer o ponto de partida de cada aluno, o que deveria ter ocorrido na gestão Cristovam Buarque. Outro argumento foi a falta de coincidência no calendário dos cursos, o que dificulta uma avaliação global. Os convênios foram assinados no segundo semestre de 2003 e algumas turmas só terminarão em dezembro. Ireland diz que o ministério fará o acompanhamento de resultados pelo cadastro dos alunos e por meio dos relatórios, a serem apresentados pelos parceiros. O número de atendidos foi divulgado antes mesmo que parte dos parceiros do programa desse por encerrados os cursos. É o caso do Alfabetização Solidária e do Sesi, o segundo no ranking de distribuição de verba pública. Juntos, receberam mais de R$ 61 milhões da União em 2003. Por ora, o Sesi se limitou a medir o desempenho do programa pela quantidade de alunos que desistiu no meio do caminho. A taxa de evasão média no país foi de 9,3%, tampouco registrada nas cifras oficiais. No contingente de alunos do Sesi, o percentual representa quase 28 mil pessoas. No momento, a instituição negocia com a Unesco um programa de avaliação, que levará em conta a evolução do aluno, como já faz a Alfabetização Solidária. A ONG Alfalit do Brasil, a terceira maior parceira do governo e cujos líderes são evangélicos, relatou com orgulho ao ministério o que chamou de baixo índice de evasão: "apenas 7,84%". No início do curso, a evasão alcançou 20% dos alunos, inclusive por motivos como proibição do cônjuge e as enchentes no Nordeste, mas foi contida com a substituição dos faltosos. Nem a entidade fez o desconto dos desistentes no seu relatório: "A Alfalit Brasil concluiu a alfabetização de 165 mil brasileiros como parceira do MEC no programa", diz o texto. Ao assumir a pasta em janeiro, Tarso Genro mudou as regras do programa. A começar por abandonar a meta de erradicar o analfabetismo como queria o antecessor, Cristovam Buarque (PT). Os convênios com as ONGs para 2004 estão sendo fechados pelo ministério. A meta é atender 1,65 milhão de alfabetizandos. Para isso, deverão ser gastos R$ 168 milhões.
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