Ele mente porque é doente... Não, ele mente porque gosta... Não..., acho que ele mente porque é doente e porque gosta. Em seus devaneios, o nosso Forrest Gump, já jantou com o Mick Jagger, já ciceroneou o Frank Sinatra, já transou com a Sharon Stone, já teve negócios com o reverendo Paul Marsinkus (sim, aquele que deu provas do envolvimento do Vaticano com a máfia), é amigo quase íntimo do Papa João Paulo II, e por aí vai...

Ele mente porque é doente... Não, ele mente porque gosta... Não..., acho que ele mente porque é doente e porque gosta. Em seus devaneios, o nosso Forrest Gump, já jantou com o Mick Jagger, já ciceroneou o Frank Sinatra, já transou com a Sharon Stone, já teve negócios com o reverendo Paul Marsinkus (sim, aquele que deu provas do envolvimento do Vaticano com a máfia), é amigo quase íntimo do Papa João Paulo II, e por aí vai... Estávamos num barzinho em papo descontraído quando ele acercou-se e, convidado, sentou-se imediatamente; sem mais nem menos, murmurou apontando para um pombal na praça ali em frente: "- Tenho muita saudade do Ladislau...; aquele era arrochado." Pensamos que ele fosse falar sobre seu Ladislau, antigo morador daquele imóvel hoje tombado pelo Patrimônio Municipal; logo descobrimos que ele havia só tomado o nome emprestado do outrora funcionário da CEM e aplicado num pombo correio que ele tinha acabado de inventar. "Lá vem outra história cabeluda!" Nos voltamos para Forrest que, entusiasmado, pigarreou, e continuou: "- Nos anos de chumbo, auge da redentora(1), eu morava no Rio de Janeiro e me dedicava a pombos-correio... Ganhei muitos troféus com meus filhotes (assim ele se referia às suas aves); tinha um pombinho manco de uma perna que me inspirava atenção especial. Este se relacionava muito pouco com os colegas do pombal...; resolvi, então, dar carinho e atenção àquele patinho feio, digo, pombinho feio... Dei-lhe o nome de Ladislau e, logo, me surpreendi com a inteligência e habilidade daquela avezinha que tornou-se o melhor de meus mensageiros. Com ele ganhei campeonatos dois campeonatos mundiais de pombaria... Um dia eu estava assistindo à televisão e a notícia do momento era o seqüestro daquele diplomata..., o Elbrick(2)..., quando, de repente, entrou em meu apartamento um sujeito magro, barbudo, vestido num conjunto cáqui e chapéu daqueles usados em safáris; trazia consigo um enorme pacote... O cidadão fez sinal para que eu ficasse calado, verificou cautelosamente os cômodos do meu AP, sentou-se, abriu o saco com muitas notas de cem dólares..., colocou a grana sobre a mesa e disse sem rodeios: '- Companheiro, só você pode nos ajudar. Conhecemos a fama do Ladislau... Precisamos entrar em contato com o Gabeira e os outros revolucionários que estão no aparelho(3)... A coisa tá preta e todo o contingente de repressão está à nossa procura... Os telefones estão grampeados...; até a CIA está envolvida no caso... Precisamos contactar o mocó e só você e seu campeão podem nos tirar dessa... Temos 120.000 dólares para recompensar o seu trabalho... Aqui está uma mensagem cifrada para nosso chefe e ele há de responder pelo mesmo meio... Trocaremos mensagens por uns cinco dias... A partir deste momento você já está envolvido com o levante... Aceita nossa proposta?' Eu não tinha como dizer não..., além do mais eu simpatizava com aqueles garotos posicionados contra o golpe e devia favores ao Gabeira. Dirigi-me à gaiola, retirei de lá o Ladislau, prendi a mensagem em seu pezinho doente, dei-lhe as coordenadas e soltei-o para a tarefa. De noitinha Ladislau entrou pela janela trazendo a resposta do MR8(4). No dia seguinte o homem misterioso apareceu, leu a mensagem, arrespostou e me entregou o papelucho; preparei e mandei o Ladislau para a segunda missão. A história se repetiu mais uma vez...; as três missões foram cumpridas com êxito... Na quarta empreitada o barbudo chegou com ar preocupado e falou: '- Temos que ter cuidado...; os home já tão desconfiados... Essa é a última mensagem...; não esperaremos resposta. Quero avisá-lo que o Ladislau corre risco de vida.' Tomei Ladislau em minhas mãos, passei-lhe as instruções e recomendei alerta máximo... Meu agente partiu para o objetivo..., quando sobrevoava uma base da aeronáutica, ali pela Ilha do Governador, foi atacado com balas de artilharia pesada; esperto que era desviou-se do fogo inimigo... Quando meu campeão pensava ter vencido as adversidades, foi alvejado na asa direita, de raspão, por um míssil ; a duras penas e sentindo muita dor, meu pombinho conseguiu fazer um pouso forçado... Sangrando escondeu-se num bueiro para evitar ataque dos cães e gatos treinados pela inteligência do exército, que o devorariam se capturado. Tarde da noite Ladislau saiu cuidadosamente do esconderijo e, se esgueirando na sarjeta, arrastando seu membro ferido, seguiu determinado a cumprir a tarefa. Gabeira e seus companheiros receberam a mensagem e rapidamente abandonaram o cativeiro com o seqüestrado, não sem antes fazerem curativo no meu herói e deixar-lhe farta ração. Três meses se passaram e nada do Ladislau voltar... Desgostoso me mandei para Fernando de Noronha, onde, naquela paz, eu amargaria o remorso e a saudade que sentia do meu campeão... Num belo dia, caminhando pela praia, senti uma ave pousar no meu ombro e, com o bico, fazer carinho na minha orelha. Não acreditei...! Quem estava ali...? O Ladislau são e salvo...; abatidinho, mas são e salvo. Como tinha bastante dinheiro e adorava o arquipélago, decidi ficar ali uma temporada. Cinco anos depois encontrei na varanda o corpo sem vida do meu herói...; não sei se é impressão, mas ele esboçava uma espécie de sorriso orgulhoso no bico fino e elegante. Dei-lhe enterro com honras militares e abandonei seu corpo na Ilha dos Remédios. Meu Deus..., como eu tenho saudade do Ladislau!" João Nelson, que durante todo o relato não emitiu um único som, bateu no ombro do nosso Forrest-Gump e, levantando-se rumo ao banheiro, falou: " - Meu Deus..., vai mentir assim na casa-do-caralho!" (1)Redentora - nome dado ao golpe de 1964 por Stanislau Ponte Preta (2)Elbrick - Chales Burke Elbrik - diplomata americano seqüestrado pel MR8 em 1969; (3)Aparelho - nome dado pelos anti-revolucionários a esconderijos; (4)MR8 - Movimento Revolucionário Brasileiro, nascido de dissidências do PCB (Partido Comunista Brasileiro) teve grande influência no Movimento Estudantil e destacou-se nacional e internacionalmente ao idealizar e realizar, em conjunto com a ALN, o primeiro seqüestro de caráter político que teve êxito na história: o do embaixador norte-americano no Brasil, Charles Burke Elbrick.