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A Importância do Parlamento para a Democracia - Por Júlio Roberto de Souza Pinto*
Muito já se falou e se escreveu sobre a importância do parlamento para a democracia. Com efeito, a imprescindibilidade do parlamento para a democracia se mostra tanto histórica como filosoficamente. Nesse sentido, não se comete qualquer exagero ao afirmar que a história da democracia se confunde com a história do parlamento.

Muito já se falou e se escreveu sobre a importância do parlamento para a democracia. Com efeito, a imprescindibilidade do parlamento para a democracia se mostra tanto histórica como filosoficamente. Nesse sentido, não se comete qualquer exagero ao afirmar que a história da democracia se confunde com a história do parlamento. A presença de assembléias populares entre os sumérios, assírios, hititas, fenícios, vickings, antigos chineses, indianos, hebreus, gregos, romanos, eslavos, germanos e ameríndios demonstra constituir o parlamento algo de inerente à natureza política dos homens, os quais sempre revelaram uma inclinação incontida para participar da discussão das questões comuns às comunidades a que pertencem. Mais tarde, essa mesma vocação humana incoercível para a liberdade e para a democracia se manifesta no crescente fortalecimento dos parlamentos inglês, francês, espanhol, português e de outros povos. Evidentemente, houve momentos de recuo nessa marcha inexorável rumo à democracia. Esses recuos, entretanto, tal como ocorre no movimento espiralado ascendente, nunca representaram um mero retorno ao status quo ante. Ao contrário, recuou-se com elementos novos, para, em seguida, retomar-se a marcha de maneira ainda mais determinada, fortalecida e altaneira. No Brasil, a marcha rumo à democracia não rompeu o padrão verificado em outros países. No período de 1641 a 1698, representantes do Estado do Brasil e do Maranhão tiveram assento nas Cortes portuguesas. Martim Afonso de Souza, representante da coroa portuguesa no Brasil, convocou os "homens bons" para a eleição de vereadores, instalando, assim, a primeira Câmara Municipal em solo brasileiro. Com a Independência, instalou-se também em solo brasileiro o velho conflito europeu entre a soberania popular, encarnada no Parlamento, e o poder discricionário do Imperador. Na Assembléia Constituinte de 1823, propôs-se convidar o Imperador a que dissesse "sucinta e brevemente as condições com que queria entrar no pacto social". Em resposta, D. Pedro I dissolveu a Constituinte e transferiu para o Conselho de Estado a incumbência de redigir a Constituição de 1824. Durante todo o período subseqüente, a Câmara dos Deputados não deixou de advertir D. Pedro I de que a nação brasileira o havia colocado "sobre o trono que ela erigira" e o Imperador, a seu turno, não cessou de relembrar sua "inviolável e sagrada pessoa", expressões, aliás, inscritas no art. 99 da Carta de 1824. A luta entre o Parlamento e o Imperador perdurou até a Proclamação da República em 1889, a partir de quando o Executivo e o Legislativo passaram a emergir de uma mesma fonte de poder. A vida política nacional, entretanto, deformou o modelo presidencialista importado dos Estados Unidos, propiciando ao Chefe do Executivo uma hegemonia permanente. Instaurou, por conseguinte, novo conflito, desta feita entre os Poderes Legislativo e Executivo. As tensões entre o Congresso Nacional e o Chefe do Executivo, instaladas no alvor da República, atravessam as décadas e persistem até o presente. Por seis vezes o Presidente da República fechou as Casas do Congresso (1891, 1930, 1937, 1966, 1968 e 1977). Hoje, no entanto, vive-se no Brasil um especial momento de avanço na marcha rumo à democracia: pela primeira vez na história do país, um integrante das camadas menos favorecidas do extrato social é eleito para ocupar o cargo mais elevado da nação. Todavia, a indispensabilidade do parlamento para a democracia não é descortinada apenas pela história: é desvelada também pela filosofia. Nessa esteira, outra vez não se incorre em qualquer exagero ao ressaltar a fundamental importância, para o estado democrático de direito, do procedimento legislativo realizado em contraditório, em que os destinatários do provimento final por ele preparado são também seus co-autores. Em sociedades secularizadas e pluralistas como a brasileira, que não mais admitem a coordenação de suas ações pela religião ou pela tradição, o processo legislativo assim entendido se apresenta como único meio possível de legitimação de um estado de direito. Como pontifica o grande filósofo da atualidade, Jürgen Habermas, somente quando os sujeitos vislumbrarem nas leis a manifestação racional e livre de suas próprias vontades, o direito se transformará em fonte primária da integração social. Assim, só haverá verdadeiro estado democrático de direito quando todos os cidadãos de um estado, por meio de representantes por eles eleitos, puderem participar, em simétrica paridade, dos procedimentos de preparação dos provimentos legislativos ou das leis que regularão suas vidas. Nessa visão procedimentalista do estado de direito e da democracia, a constituição há de ser entendida com a prefiguração de um sistema de direitos fundamentais que apresenta as condições procedimentais de instituição jurídica das formas de comunicação necessárias a um processo legiferante democrático. A soberania popular, dessarte, assume forma jurídica por meio do processo legislativo que realiza o nexo entre as autonomias privada e pública dos cidadãos. É dizer, a soberania popular, procedimentalmente interpretada, garante a articulação dessas duas dimensões da autonomia jurídica, eis que os destinatários das normas jurídicas, na condição de sujeitos jurídicos privados, pelo processo legislativo democrático, na qualidade de cidadãos se tornam co-autores de seus direitos e deveres. A história da democracia se confunde com a história do parlamento e o processo legislativo é o único meio possível de legitimação do estado democrático de direito. Imprescindível, portanto, o parlamento para a democracia, seja sob o ponto de vista da história, seja sob o prisma da filosofia.
* Júlio Roberto de Souza Pinto é advogado (www.sj.adv.br; [email protected]), assessor jurídico da Secretaria-Geral da Mesa da Câmara dos Deputados ((www.camara.gov.br; [email protected]), professor de Direito Constitucional e de Processo Legislativo no Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados, e escritor; especialista em Direito Legislativo, especialista em Educação e mestre em Liberal Arts (Universidade de Wheaton, Illinois, EUA).
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