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ORÁCULO

Filhos, para quê?


Filhos, para quê?
Meu pai tinha defeitos, como todas as pessoas, pais ou não. Meus irmãos tinham um julgamento duro sobre ele. O mais velho, quando nosso pai aguardava o sepultamento na Igreja da nossa cidade, não teve coragem de entrar e vê-lo morto, ficou no entorno da igreja e não acompanhou o féretro ao cemitério.

Eu, no entanto, além de acompanhá-lo de perto nos seus 30 dias de agonia antes da morte, lhe fiz a barba depois da morto, porque ele não gostava da barba despontando.

Com ele em vida, nós os filhos, tínhamos uma decisão a tomar: ou aceitávamos o pai do jeito que ele era, ou o rejeitavámos por causa dos seus defeitos. Antes de decidir, aconselhei-me com a minha mãe e ela me deu esse precioso conselho: “ele tem defeitos como marido, mas não como pai. Se alguém pode ter alguma diferença com ele, esse alguém sou eu, não vocês.”

Esse conselho, que segui à risca, me tornou a pessoa feliz que sou até hoje e, mais ainda, mesmo quase 40 anos após a morte do pai, continuo a amá-lo, a aconselhar-me com ele e a seguir os seus conselhos, pois, ainda hoje, sei o conselho que ele me daria a cada tropeço da minha caminhada.

Um dos conselhos que ele nos deu foi: tenham filhos, pois eles nos ensinam a compreender a vida e a ser tolerante com os erros dos outros.

A vida humana está sujeita a um princípio que a todos subordina: a procriação. Esta constitui o impulso vital que a todos submete. Não há pessoa humana completa sem ter a sua descendência. A procriação nos torna humanos no mais elevado nível de compreensão. Sem ela não compreendemos nossos pais e desdenhamos das outras pessoas, somente a existência de filhos nos aproxima de Deus, pois, ao termos filhos, participamos do processo da criação.

Não ter filhos por um impedimento de concepção nos torna infelizes e, para compensar, nos aproximamos da descendência alheia ou criamos a prole jurídica através da adoção ou da aproximação da descendência dos nossos parentes.

Muitos jovens hoje decidem não ter filhos e o fazem com muita convicção. Pensam que a decisão de não der filhos perdurará por toda a vida.

Porém, jovens que são, ainda não experimentaram o impulso imperativo da vida: temos filhos por impulso da vida e não só por decisão emocional ou mesmo racional. Nossos filhos não são nossos filhos, são filhos da ânsia da vida por si mesma, como nos ensinou o Profeta de Gibran.

O filho ilumina o caminho e torna a jornada compensatória, ainda quando pensem que não nos ama, mais ainda, ainda que pensem que nos odeiam, eles sempre valem a pena. A fase crítica passa. Se não tiverem filhos, sentirão o vazio da vida quando os pais se forem, porque na estrutura da vida temos ascendentes que nos trazem ao mundo e descendentes que trazemos ao mundo. Os ascendentes partem primeiro, em regra.

Quem não tem filho na hora certa tenta transferir o amor filial para animais, mas estes não nos completam. Eles nos dão alegria, mas somente os filhos nos dão alegrias e tristezas, os dois momentos completos da nossa vida.

Quando o filho pródigo partiu, deixou atrás de si uma estrada de tristeza, mas quando ele voltou, ainda que arruinado, o pai o recebeu com grande júbilo.

Eu e meus amigos de geração estamos na fase de netos, os temos em profusão, alguns já estão na fase de receber os primeiros bisnetos. Uns poucos amigos estão tristes, porque os netos tardam e a maioria, que já temos netos, com o coração cheio de compaixão, torcemos para que os seus filhos deixem as escamas caírem dos olhos e alimentem a vida nos dando mais vidas. E mais felicidade aos velhos pais.

A vida nos punirá se não cumprirmos nossa destinação de perpetuar nossa espécie. Dou um exemplo: nasci num distrito de Pojuca, Bahia, chamado Central. Na minha infância, eu conhecia todos os moradores das cerca de trezentas casas, das crianças aos velhos. Toda casa, era nossa casa.

Fui um menino feliz, podia entrar em qualquer casa para tomar um copo de água ou pegar uma fruta, nós mesmos nos servindo nas talhas cheias de água fresca.

Há alguns anos atrás passei na rua de Central, lentamente, procurando um rosto conhecido. Encontrei uma única pessoa conhecida. Pedi-lhe notícia das demais pessoas. Todos já tinham morrido, não havia mais pessoas do meu tempo. Senti que a rua estava vazia e fiquei triste, mas entendi que a vida apenas seguiu o seu curso.

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