- 26 de novembro de 2024
CONVERSANDO COM O MESTRE
JOBIS PODOSAN
LIÇÃO DA EXPERIÊNCIA
Se não puder mudar a direção do vento, mude o rumo do barco. Este artigo é resultado de uma conversa com o Dr. Carlos Gentil, uma fonte inesgotável de saber.
A CONSTRUCAO DA CATEDRAL
Eu vou dizer uma coisa assustadora, se me permitem: não é possível corrigir uma ilegalidade cometendo outra, ainda maior. Se este pensamento de negar validade ao direito for aceitável, mercê da força, tudo se justifica. O direito tem mecanismos de autocorreção, chamados recursos, através dos quais se corrige desvios eventuais de aplicação. Quando se utilizam mecanismos extrajuridicos na resolução de questões de direito, todos passam a poder tudo e essa opção resulta da na morte de concidadãos, cada um esperando que a morte seja dos outros. Mas nem tudo é como se quer. Podemos perder filhos e netos que estamos colocando num combate destinado a não ter vencedores, até os vitoriosos parecerão e serão derrotados. A construção de um estado é como a construção de uma catedral. É feita lentamente, com avanços e recuos, com o esforço e de cada geração, de maneira que quem começou a construção não chega a ver a obra acabada.Não há heroísmo em derrubar a constituição, mas em mantê-la, apesar dos erros do eleitorado. A constituição tem mecanismos de defesa contra os que a abominam ou os que atentam contra ela. Já vimos dois presidentes serem derrubados. Quem derruba dois derruba três. Só não pode derrubar a constituição, Se nao seremos sempre um país efêmero, que toda vez que balança cai.
Pregoeiros da guerra entre irmãos devem pensar nisso, pois a lição de Pirro não deve ser esquecida.
A FORÇA NORMATIVA
Lida hoje, a constituição americana de 1787 é uma quimera, dado o seu nível de abstração e a sua pequena extensão. Feita hoje pareceria ridícula. Porém, tenta derrubar constituição e se verá a sua força normativa! Nunca será mudada no seu texto, mas será sempre atualizada no seu significado. Mudar de constituição sempre foi uma solução burra, a solução inteligente não é derrubar o trem dos trilhos, mas mudar os passageiros do trem. Nós temos como mudar os passageiros do trem, mas nunca será inteligente derrubar a composição dos trilhos. O efêmero deve ceder ao permanente e não ao contrário. Lula ganhou as eleições, vamos vigiá-lo e derrubá-lo se ele sair dos trilhos. Mas a vontade da maioria expressa nas eleições deve ser respeitada. Se se entender que houve fraude nas eleições há mecanismos de atacá-la, mas nunca deve ser derrubar a constituicao, senão estaremos fazendo o que aparentemente condenamos.
CONSTITUIÇÃO VELHA
A constituição feita pelo homem segue a sua natureza efêmera e interesseira. É por isto que constituição boa é constituição velha, que ultrapassa a vida dos que a elaboraram. Quanto mais mudamos de constituição, menos constituição teremos. Não há quem não concorde que o nosso sistema juridico necessita correções, mas estas correções têm um modo de serem feitas e não é derrubando a constituição que aperfeiçoaremos o sistema. Não se faz uma boa reforma numa casa se derrubarmos as suas vigas mestras e seus alicerces e fundações a cada vento mais forte.
CONSTRUÇÃO PERMANENTE
Uma constituicao nunca se acaba de fazer, mas nunca se deve mexer no essencial. Já estamos na sétima e ainda não encontramos a fórmula que preste. Os EEUU fizeram uma só, pequena e imperfeita e, agora, é a mais poderosa nação do mundo. Em 1800 Brasil e EUA eram países semelhantes. Agora um é dono do mundo e o outro continua sendo uma terra de se tirar e não de por: quem vem para cá vem buscar e não trazer. Qual o milagre? A estabilidade derivada da Constituição. Mantido esse pensamento mudancista, seremos nada, nunca ergueremos uma nação poderosa, pois nos faltará sempre a liga que ata o passado ao futuro. Estaremos sempre navegando entre opiniões passionais e nunca teremos nada definivo. Se não podemos construir um passado nunca construiremos um futuro, pois uma geração é pouco para criar uma civilização.
A DECANTAÇÃO
Entre os estudiosos do direito constitucional é ponto comum que nenhum país conseguirá fazer hoje uma constituição sintética como a americana. As constituições modernas serão sempre amplas. A única maneira de deixá-las amadurecer e não revogá-las é deixar que a decantação temporal faça o seu papel. Se a mudarmos a cada solavanco nunca terenos uma constituição, mas mero pedaço de papel, de que nós falava Ferdinand Lassalle.
SEM RECURSO, SEM OBJEÇÃO
As dúvidas na estrutura de um estado constitucionalmente organizado são tiradas pela técnica dos recursos. Ainda não vi na imprensa notícias sobre recursos que foram impetrados contra as decisões unipessoais Alexandre de Morais. Se houve decisão e não houve recurso, a decisão foi aceita. Quem tem um recurso disponível e não utiliza, conforma-se com o acerto da decisão. Havia ainda recurso ao STF. Não havendo recurso, não se pode reclamar da decisão. Dizer que Alexandre errou e não ter recorrido da decisão é um absurdo jurídico. Será que ficamos cegos?
EM BUSCA DA SÍNTESE
Se você fosse o réu, diria que felizmente o Brasil tem uma Suprema Corte. Os julgamentos não vinculam os órgãos recursais e um das formas mais notáveis de civilização é a aceitação dos julgamentos do órgãos superiores da justiça. Foi para julgar que eles foram instituídos e as instâncias inferiores não vinculam as superiores. Não se trata de jogo de palavras, mas de um sistema jurídico que funciona dessa mesma forma em todos os países onde há liberdade. Mas isto só é compreendido quando 1) meditarmos sobre a lógica do sistema; 2) quando somos nós os condenados. Embora o tom empregado seja burlesco, na verdade, é assim mesmo. Se o STF disse que o juiz que julgou a ação era incompetente, então, agora, inapelavelmente, era. É para isto que existe uma Suprema Corte. Não há nada de absurdo nisto, é apenas uma técnica do direito e a distribuição de competências previstas na constituição, afinal, alguém tem de falar por último. Isto não é estranho para nós, que sabemos o limite de cada autoridade administrativa. Se temos isto na administração, com muito mais razão existe no Poder Judiciário. Se você fosse da suprema corte, talvez visse além do imediato, mercê dos conhecimentos jurídicos de que dispunha. Não estou defendendo pessoas mas situações jurídicas. Se você ler as decisões que critica, e as entender, verá que elas são compostas de três partes: relatório, fundamentação e dispositivo. Neste último está a decisão; na fundamentação estao as razões da decisão. Nenhum juiz decide na hora que quer, decide quando é chamado a decidir e no momento apropriado. Os juízes não têm iniciativa da decisão, decidem quando a decisão lhes é pedida. A justiça só se pronuncia quando é provocada. Porém, uma vez provocada, não tem a opção de não decidir. O sistema tem alguma dificuldade de compreensão para o mundo não jurídico, devido à complexidade do direito, porém, os fundamentos da decisão estão ao alcance de qualquer pessoa culta. Você que critica, experimente ler uma das decisões que você critica e verá que não há absurdo nela, apenas uma decisão fundamentada. Todas as decisões judiciais são fundamentadas, caso contrário, serão nulas.
Também já pensei desse modo. Embora atraído pelo direito desde menino, encontrei na PM o campo apto a florescer minha decisão juvenil. Como sempre, repito, devo tudo à espada e a cada um de vocês que semearam na minha alma o amor pelo justo e correto. O direito foi sempre a minha paixão e morrerei com ela e talvez por ela, por isto continuo estudando como se ainda pudesse mudar o mundo, mas, na verdade, a minha luta é para melhorar a mim mesmo. Ou como diria o mestre Orlando Gomes, compreender a ciência jurídica sem os ódios e paixões que animam o nosso dia a dia, que, às vezes balança a nossa fé. O direito, como todas as ciências sociais está à mercê das crises, mas cabe ao estudioso entrar nessas crises para delas extrair o fino lavor da ciência jurídica, purificando-a para melhor aplicá -la, sem se deixar abater por eventuais tempestades.
E viva a divergência, porque é dela que extraímos a tese, a antítese e a síntese.