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ORÁCULO

A ÚLTIMA PALAVRA


A ÚLTIMA PALAVRA

JOBIS PODOSSAN


          Em qualquer grupo social a última palavra tem a função de resolver as questões polêmicas, pacificando os espíritos. Nos grupos organizados, a própria organização já define quem dá a última palavra, quem bate o martelo, quem é o chefe. Porém, mesmo nos grupos avulsos ou eventuais, através do mecanismo da liderança, a última palavra é reconhecida a algum dos seus participantes. Quando a liderança não se define ou não é reconhecida espontaneamente, estabelece-se o vazio de decisão e o caos se instala. Todos, portanto, ninguém têm razão, pois os argumentos de parte a parte se igualam, prevalecendo a força que, sabemos, é sempre temporária e sufocante, pois submete a maioria, o que leva a sua destruição. Se não há mecanismos de definição da liderança, esta se estabelece pela persuasão ou pela força. O que não pode é o grupo ficar permanentemente acéfalo, porque isto leva à sua destruição, como no estouro da boiada. Um exemplo bastante citado, visto e analisado é o de alguns países africanos nos quais a sociedade não consegue se organizar, porque formam-se grupos parciais que lutam como animais. Quando um dos grupos impõe a sua vontade pela força e sufoca os demais, essa forma de organização é constantemente fustigada e perdura até a morte ou deposição do líder e a luta recomeça. Essa luta fratricida dos africanos ainda hoje é atual, para a vantagem dos países ricos que incentivam a luta a troco de dinheiro e de extinção de negros usando o que temos de pior entre nós: a ambição de poder.

         Assim, a única forma que tem um país de se desenvolver é hierarquizar a tomada de decisão, começando pelos grupos simples até chegar ao mais complexo, que é o Estado.

Tínhamos no Brasil independente um Estado organizado pela constituição de 1824, que perdurou até 1889, quando sobreveio a República e com ela uma nova Constituição, promulgada em 1891, mudando a forma de governo, que passou a ser república ao invés de monarquia, a forma de estado, que passou de unitário para federativo, o sistema  de governo, que passou de parlamentarista para presidencialista e o regime de governo que substituiu a forma  antiga de governo centralizado na figura do imperador, para um Estado democrático, com supremacia da vontade popular, e extinguiu os direitos hereditários da monarquia derrubada. A Constituição nova foi inspirada na Constituição dos Estados Unidos, colocando até essa denominação no nome do novo Estado brasileiro, que passou a se chamar Estados Unidos do Brasil. Foi também uma constituição pequena, a menor que já tivemos, com apenas 91 artigos permanentes e 08 transitórios. A Constituição revogada tinha 179 artigos. A criação da federação brasileira, ao contrário do modelo que a inspirou, se deu, porém, de modo inverso. Enquanto a federação americana se deu de fora para dentro (as treze colônias eram independentes e cederam suas autonomias para o Estado Federal), de forma centrípeta, enquanto, a nossa se deu de forma centrífuga, ou de dentro para fora. Enquanto lá o que estava separado se uniu, aqui o que estava junto foi separado. Lá houve implosão, aqui explosão.  

A pesar das muitas constituições republicanas que tivemos, nenhuma, sejam as autocráticas (impostas, como as de 1937, 1967 ou 1969) sejam as democráticas, frutos da vontade popular, através de assembleias nacionais constituintes (1934, 1891 1946 e 1988), permaneceu a centralização do poder na União, embora a constituição vigente tenha cedido terreno aos Estados Membros e tenha montado um sistema de repartição das receitas tributárias com a finalidade de fortalecer as unidades da federação. Porém, nem de longe, se assemelha ao modelo que as inspirou. Os estados não caminham com as próprias pernas e a União ainda nos traz a ideia de Leviatã, dando sempre a última palavras na distribuição dos dinheiros públicos.

Disso deriva a ideia, trazida desde a Constituição de 1824, no Império, de que o Presidente da República, embora eleito pelo voto direto, é uma espécie de monarca temporário absoluto, que traz no seu íntimo a ideia de perpetuação no poder, convertendo-se de síndico, que é, em Rei, que não é. O presidente é o Sindico Geral da Nação, que recebe mandato temporário, como todo sindico, de gerir a nação, no interesse dos cidadãos e não no dele próprio, agindo sempre na defesa do interesse alheio, sendo seus poderes instrumentais. Aliás, isto é expresso no artigo 1º, parágrafo único da Constituição, com todas as letras: todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Os representantes eleitos não governam em nome próprio, mas em nome alheio, governam em nome do titular, não tendo poder algum para agir em nome próprio. O povo é o titular do poder, o exercente do poder (delega o exercício a governantes, sob condições severas) e o destinatário das ações do governo. Pretender, quem quer que seja, subverter a titularidade do poder, é dar ensejo a ser repelido e expulso do poder pelos mecanismos previstos na própria Constituição.

Isoladamente consideradas, todas as constituições são imperfeitas, como tudo que ordinariamente fazemos. Porém, o que interessa a cada país é a estabilidade das suas Cartas Magnas. Pode não prestar para ninguém, mas serve para o povo a que rege. Nenhum país de hoje se contentaria de fazer uma constituição semelhante à dos EUA, mas esse país ama a sua acima de tudo e não pretende mudá-la jamais. Ela envelheceu e ganhou imutabilidade, adentrou as entranhas do seu povo e sempre será adaptada, mas não perderá a sua essência.

Nenhuma constituição nasce boa ou ruim, ela se torna boa para o país que rege, pela decantação histórica. Se for mudada, o processo recomeça do zero e o país jamais se desenvolve, por falta de alicerces e vigas mestras. Porém, a resultante do envelhecimento é a decantação de sucessivas gerações e a aquisição lenta de aperfeiçoamento do texto, criando dentro da imperfeição o texto espiritual por todos respeitado. O mérito de cada governo lá é não alterar a Constituição, sacralizando-a. Com o tempo a Constituição vai ganhando mais e mais legitimidade, confundindo-se com o amor à pátria. Ela pertence a todos e não é de ninguém em particular, mas todos a reverenciam.

Mudar de constituição é mudar de pais, pois cada constituição cria um novo Estado.

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