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FRANCISCO ESPIRIDIÃO

Sou brasileiro, sou Mané!


Sou brasileiro, sou Mané!

Estive ontem, pela primeira vez na vida, na cidade de Lethem, Guiana, vizinha gêmea de Bonfim. E veja que moro em Boa Vista há 35 anos. Cheguei aqui em abril de 1974. Bonfim conheço de cor e salteado, mas jamais havia ultrapassado o rio Tacutu.

Será que sou xenófobo? Não, xenófobo não sou. A prova é que nasci numa fronteira onde o que separa as cidades – de um lado, a brasileira Guajará-Mirim, e de outro, a boliviana Guyará-Mirim – é apenas o curso d’água chamado rio Mamoré.

A ideia xenófoba cai por terra, também, diante da assertiva de que não conto as vezes que cruzei a fronteira em Pacaraima, rumo a Santa Elena de Uairén, Venezuela. Sempre levado pelo atrativo do clima ameno e da visão bucólica das serras descampadas que contrastam com as casas que economizam na altura. Além do Bolívar desvalorizado.

Isso, sem falar em algo que, mesmo corriqueiro, sempre suscita um quê de espanto, bom espanto – perdoem-me o oximoro: o baixíssimo preço da gasolina. É um raro prazer encher o tanque do carro a menos de R$ 1,50 o litro. Teve época que era infinitamente mais barato. É que hoje a Venezuela chavista está meio derrubada. Mas fazer o quê?

Bom, deixemos a Venezuela de lado e voltemos ao meu fastio de Lethem. Será que foi por medo de andar de balsa, antiga e única forma – até então – de se atravessar o Tacutu? 

Definitivamente, não. Como disse, nasci na fronteira com a Bolívia. Fiz inúmeras visitas a Guyará, e, para tanto, era obrigado a atravessar o Mamoré de catraia. Quem anda de catraia não pode ter medo de se aventurar em uma quase imponente balsa.

Será que foi por preguiça ou total ignorância da língua de além Tacutu? A segunda opção arguida nesse parágrafo é de todo descartada. Na fronteira todos são bilíngues. Restou-me então a primeira.

O importante é que, indolência à parte, estávamos ontem à tarde, eu e parte da família, em terras que ganharam independência da colonialista Inglaterra em 26 de maio de 1966. Chegamos quase no fim da tarde. As lojas já cerrando as portas.

Uma correria para não perder a viagem. A Eliana queria comprar uma bolsa – comprou duas – e algumas peças de roupa. Pouca coisa encontrou. Para homem, o estoque de La Coste com o olho de vidro e perna de pau era enorme.

O Francisco logo se encantou por um automóvel “Made in China”, que me custou uma fortuna: 10 reais. Quebrou o referido veículo antes de tomar gosto.

Hora de retornar. 17h50. Abastecer o possante. A Ethiane de motorista particular. Não estou dirigindo, ainda. A minha asinha direita continua um tanto prejudicada, lembram? Ela estacionou na bomba e adentrou a última lojinha aberta, creio de propriedade do dono do posto.

Olhei meio desconfiado para a bomba de gasolina. Estava escrito “gasolina comum”. Em português, imaginam?

– Lá vem a cacetada – pensei comigo mesmo. O frentista acionou a bomba e determinou que eu manobrasse o gatilho da pistola, cujo cano já estava enfiado no tanque. E não me fiz de rogado. 30, 40, 50, 60, 76 reais finalizaram o abastecimento.

 Olhei para o marcador da quantidade de combustível: exatos 37 litros. Custo do litro: R$ 2,05. Aí fiquei a pensar:

– Ou os guianenses são doidos ou eu sou trouxa. Eles não produzem um pingo de petróleo. Importam tudo o que consomem. E vendem a gasolina pura – sem álcool, creio –, a R$ 2,05. Já no Brasil, autossuficiente em petróleo, para eu abastecer o tanque do carro, tenho de desembolsar R$ 2,83 por cada litro da dita-cuja. E misturada ao etanol.

Como diria aquele personagem de Jô Soares dos anos 80, de extrema direita, que havia atravessado anos em coma e que retornara à vida depois de passado o período do Regime Militar, ao descobrir que subversivos do regime eram agora ministros de Estado:

Me tira o tubo!

(*) Jornalista, autor de Até Quando? (2004) e Histórias de Redação (2009); e-mail [email protected]; blog: www.franciscospid.blogspot.com

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