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Francisco Espiridião

Ô dúvida cruel!


Ô dúvida cruel!

Em 2007, escrevi uma crônica criticando o tema de vários outdoors espalhados pela cidade, onde o então presidente da Câmara Municipal, ex-vereador Marcelo Milênio (PV), devolvia 4 milhões de reais aos cofres da Prefeitura de Boa Vista.

Que força estranha poderia levar o Paço que abrigava os vereadores – cheio até a tampa de demandas a ponto de os servidores tirarem algum do bolso para comprar papel higiênico – a abrir mão de tamanha fortuna?

A justificativa não deixava de ser altruísta, porém, soava tão verdadeira como uma nota de três reais: ajudar a Prefeitura a cumprir suas obrigações com a cidade.

Festejavam os outdoors, na época: "Mais merenda escolar, mais escolas, mais saúde para o povo (ou algo parecido)". Tudo isso com os recursos da renúncia da Mesa Diretora do Legislativo municipal. Convenhamos que uma história dessas em pleno século 21 não desce na goela de ninguém. Ou desce, vá saber!

Aprendi com meu professor Haroldo Amóras, na década de 90, que um dos princípios da economia (palavra originária do grego oikos - casa - e nomos - administrar -, ou seja, "administração da casa") é que os recursos são sempre escassos e as demandas imensas. Como se explicar, então, a atitude de um administrador que, em condições tão espartanas, abre mão de tanta grana assim?

Não é por nada, não, mas aquilo tudo, à época, cheirava mal. O então presidente me encontrou no dia em que a crônica foi publicada no Fontebrasil, e pediu-me gentilmente que eu fosse a seu gabinete, onde ele me mostraria as razões que o levaram a tomar tal medida, que, para mim, soava sem pé nem cabeça.

Encucado e levado pela curiosidade, ainda cheguei a ir duas vezes ao local indicado. Não tive, porém, o prazer de ouvir tão preciosas explicações. Fui barrado por sua secretária, sob o pretexto de que o honorável edil achava-se ocupado, primeira vez, e, segunda, não se encontrava na Casa.

Por que me lembrar dessa história hoje, quase três anos depois? É simples. Explico.

A Prefeitura hoje se queixa de se vir podada pelo Governo federal nas remessas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Num dia acusa a perda de 70% no valor de um dos repasses do dito recurso.

No dia seguinte, divulga o investimento de algo em torno (um pouco mais, um pouco menos, sei lá!) de um terço do valor recebido (repasse do FPM) nas entidades carnavalescas e demais preparativos do carnaval de rua de Boa Vista. Sei não...

Em tempos de profunda crise como a alegada pela Prefeitura hoje, creio que esses recursos poderiam ser mais bem aproveitados na saúde, na educação, enfim, tantas são as demandas, diante das quais o brilho na Avenida parece meramente supérfluo.

Aliás, as Escolas de Samba têm o ano todo para se preparar para o reinado de Momo. É missa anunciada. Um pouco de criatividade para levantar os recursos necessários não faria mal a ninguém.

Ficar sem carnaval de rua, também, não seria causa para ninguém abrir mão da vida e meter um balaço na cabeça. Num determinado ano (ou anos, não sei) da administração da então prefeita Teresa Jucá, todos que gostam de desfiles de Escolas de Samba contentaram-se em vê-los pela TV. A Globo sabe como ninguém transmitir o glamour da Marquês de Sapucaí, no Rio, e da Passarela do Samba, em Sampa.

Confesso hoje que estou tomado, agora, pela mesma dúvida que me invadiu o coração em 2007. Será que...  Não. Melhor deixar prá lá.

(*) Jornalista, autor de Até Quando? (2004) e Histórias de Redação (2009); e-mail [email protected]; blog:  www.franciscospid.blogspot.com

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