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Crise Argentina

O governo argentino detonou ontem uma crise institucional ao pedir a renúncia do presidente do Banco Central


CONFRONTO COM O BC ABRE CRISE NA ARGENTINA

 

O governo argentino detonou ontem uma crise institucional ao pedir a renúncia do presidente do Banco Central, Martín Redrado, que se recusou a entregar o cargo. A presidente Cristina Kirchner pretendia ter acesso a US$ 6,5 bilhões das reservas internacionais para pagar títulos da dívida externa com vencimento em 2010, evitando o uso de dinheiro do orçamento. Redrado se opôs à medida e esperava uma análise jurídica do BC sobre o assunto. Ele foi acusado pelo governo de ter descumprido suas orientações e não ter tomado providências para transferir as reservas a uma conta especial do Tesouro.
 
O governo argentino detonou ontem uma crise institucional ao pedir a renúncia do presidente do Banco Central, Martín Redrado, que se recusou a entregar o cargo. A nove meses de concluir um mandato de seis anos, Redrado recorreu à independência do BC, garantida por lei desde 1992, para manter-se à frente da instituição. A presidente Cristina Kirchner já havia convidado o economista Mario Blejer para assumir o BC.
 
O avanço da Casa Rosada sobre o BC é motivado pela necessidade de financiamento do governo, que quer US$ 6,5 bilhões das reservas internacionais para pagar títulos da dívida externa com vencimento em 2010, evitando o uso de dinheiro do orçamento. Redrado se opôs à medida e esperava uma análise jurídica do BC sobre o assunto. Ele foi acusado pelo governo de ter descumprido as orientações do governo e não ter tomado providências para transferir as reservas a uma conta especial do Tesouro.
 
O chefe de gabinete da Presidência e ministro mais importante da área política, Aníbal Fernández, desafiou abertamente Redrado e o chamou de "pouco sério". "Não foi ele quem juntou as reservas. Foi o governo, com políticas pensadas por Néstor Kirchner e depois ratificadas pela presidente", disse Fernández em entrevista pela manhã.
 
Segundo ele, o presidente do BC havia reconhecido suas divergências com o governo e colocado o cargo à disposição. A renúncia, porém, foi desmentida por um porta-voz do BC. Fernández disse então que o governo vai aos tribunais para tomar posse das reservas internacionais. "Se as coisas continuarem nesses termos, teremos que ir à Justiça para garantir que as leis se cumpram", afirmou. O ministro da Economia, Amado Boudou, disse que Redrado "terminou suas funções" no governo Kirchner.
 
Com as portas do mercado internacional de crédito ainda fechadas à Argentina, Cristina anunciou em dezembro a criação de um fundo específico para honrar os US$ 13 bilhões em títulos da dívida externa com vencimento em 2010. Um decreto de necessidade e urgência (equivalente à medida provisória no Brasil) criou o Fundo do Bicentenário e determinou a transferência para o Tesouro de US$ 6,5 bilhões das reservas internacionais, administradas pelo BC.
 
A medida logo despertou controvérsias, apesar de as reservas terem chegado a US$ 48 bilhões nesta semana. O governador da província de San Luís, Alberto Rodríguez Saá, e partidos de oposição abriram ações judiciais contra o decreto de Cristina e questionaram o fato de ele ter sido editado poucos dias após o início do recesso legislativo, impedindo o Congresso de opinar sobre o fundo.
 
O mal-estar entre Redrado e o governo cresceu na semana passada, quando o presidente do BC divulgou relatório de atividades da instituição em 2009 e insistiu na necessidade de voltar aos mercados "sem atalhos". Redrado tem várias críticas ao uso das reservas. Acredita que isso abre um precedente negativo e teme uma corrida dos credores de títulos ainda em moratória. Para ele, se pagar os títulos a vencer com as reservas, o governo fica sem argumento para negociar com credores que recusaram em 2005 a oferta do governo argentino para sair do calote.
 
Além disso, Redrado é uma das poucas autoridades do país que admitem preocupação com a escalada da inflação na Argentina. Para 2010, enquanto o governo fala em alta de 6% nos preços, consultorias privadas projetam variação entre 15% e 18%. O Instituto Nacional de Estatísticas e Censo (Indec) sofreu intervenção oficial em 2007 e o dado oficial é visto com descrédito.
 
Redrado demonstrou preocupação com o estímulo fiscal da medida. Com a criação do fundo, o governo conseguiria liberar US$ 6,5 bilhões do orçamento para investir em obras públicas e programas sociais, como a recém-criada Designação Universal por Filho, que distribui 180 pesos por mês a crianças cujos pais estão desempregados ou trabalham sem carteira assinada. O vice-ministro da Economia, Roberto Feletti, reconheceu na terça-feira que "a criação do Fundo do Bicentenário busca liberar recursos para sustentar os estímulos à demanda".
 
Oriundo da Universidade de Harvard e de perfil liberal, Redrado tem o respeito do mercado financeiro. No início do governo Kirchner, quando exercia o cargo de principal negociador comercial da Argentina, foi nomeado para o BC. Com mandato de seis anos, como toda a diretoria do banco, só pode sair mediante processo por improbidade administrativa. Diante da repercussão, Mario Blejer, procurado pelo governo para substituí-lo, recusou o convite. "Estou inibido de assumir", disse.
 

A reação do mercado à ofensiva do governo contra o BC foi dura. Os títulos da dívida externa perderam 5,7% do valor de face, revertendo o movimento de alta que mantinham há oito sessões, e o dólar (que estava praticamente estável) subiu um centavo. O peso fechou cotado a 3,83 por dólar.

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