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GLOBALIZAÇÃO - A falta que a inovação faz

Já virou lugar-comum ver o Brasil ser ultrapassado por outras economias na disputa do mercado cada vez mais concorrido das exportações. Na semana passada, mais um indicador mostrou que enquanto emergentes como China, Índia e Rússia mantêm uma "forte expansão", o Brasil apresentou "um enfraquecimento das perspectivas".



Edna Simão Luís Osvaldo Grossmann
Da equipe do Correio

Iano Andrade/CB - 3/8/06
Cristina Depieri, da UnB, pesquisou postura das empresas do DF
 
Já virou lugar-comum ver o Brasil ser ultrapassado por outras economias na disputa do mercado cada vez mais concorrido das exportações. Na semana passada, mais um indicador mostrou que enquanto emergentes como China, Índia e Rússia mantêm uma "forte expansão", o Brasil apresentou "um enfraquecimento das perspectivas". As aspas são da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), ao analisar a conjuntura de diversos países em junho.

Um traço que nitidamente separa a economia brasileira de outros emergentes - para não falar dos países mais desenvolvidos - está no baixo índice de inovação tecnológica. Basta observar os grau de investimentos para desenvolvimento de pesquisa feitos pelo governo federal e iniciativa privada para perceber que eles estão aquém das necessidades, tendo representado apenas 0,91% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado. Países como China e Coréia destinam 2,64% e 1,31% do PIB, respectivamente. Já a economia norte-americana aplica 2,60%, e a japonesa, 3,15%.


Mas se o dinheiro é pouco, um outro fator só muito recentemente passou a ser considerado: falta, antes de tudo, uma cultura inovadora no país, o que é diferente do nosso famoso "jeitinho". "Os brasileiros são pouco inovadores, por uma questão cultural. A atitude empreendedora é algo que pode ser desenvolvido, mas o próprio sistema educacional inibe, desconstrói o processo criativo. O reflexo se dá nas equipes. E não adianta ter um líder inovador se a equipe não compartilha desse espírito", sugere a pesquisadora da Universidade de Brasília, Cristina Depieri. A inovação implica em agregar valor a produtos ou processos.

Cristina mediu, na prática, o espírito inovador e realizou uma pesquisa em 33 empresas do Distrito Federal. O resultado é decepcionante, mas não deve atingir apenas a auto-estima dos brasiliense. "O baixo espírito inovador medido aqui está de acordo com trabalhos que eu também desenvolvi com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os empresários pouco acreditam que, se investirem, terão retorno, até porque isso não acontece rapidamente e prevalece o entendimento de que significa perder dinheiro", explica.

Como resultado, é raro verificar a presença de departamentos de pesquisa e desenvolvimento nas empresas brasileiras. Um indício de que a atenção das empresas à inovação está abaixo do esperado foi captado pelo Instituto Inovação. O trabalho mostra que é grande a diferença do perfil profissional nas organizações brasileiras. Por aqui prevalece o mito de que as universidades deveriam servir como a área de P&D das empresas.

Muito mais correto seria pensar em uma área de P&D (pesquisa e desenvolvimento) da própria empresa desenvolvendo projetos em colaboração ou recebendo consultoria de pesquisadores dos grandes centros de pesquisa brasileiros. Para ilustrar, nos Estados Unidos, notório celeiro de inovações na indústria e onde é priorizada a ciência aplicada, quase 70% dos pesquisadores trabalham na iniciativa privada. No Brasil, apenas 26% desses profissionais atuam nas empresas.

Inverter esse quadro e estreitar as relações entre institutos de pesquisa e setor privado são dois dos principais gargalos para o desenvolvimento da pesquisa. "Só existe inovação com pesquisa. Isso pode ser feito internamente nas firmas ou associado a institutos. As universidades não têm escala e por isso necessitam de uma parceria com a iniciativa privada", diz Adriano Baessa, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). "Falta um pouco de percepção do empresariado e do governo. Isso está se alternando, mas temos que galgar muitos degraus para nos aproximar dos outros países", destaca o pesquisador do Ipea.

O governo reconhece que há muito por fazer nesse departamento. Mas segundo o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, Alessandro Teixeira, há mudanças acontecendo. "A cultura inovadora nunca foi trabalhada. Estávamos há 10 anos sem política industrial e isso não se constrói da noite para o dia. O governo tem ao menos o mérito de ter colocado a inovação na pauta e mostrar que o Brasil não é um país inovador. E sem inovação não tem desenvolvimento", diz Teixeira.

Segundo ele, há planos tecnológicos setoriais avançados na área de cosméticos, calçados e equipamentos médico-hospitalares, além de conversas iniciais em plástico e derivados. "A aplicação de recursos dos fundos setoriais passou de 40% para 98%, estamos gastando mais e melhor. A produção científica vem crescendo e, neste ano, vamos formar 10 mil doutores. Temos um longo caminho pela frente, mas finalmente há uma política industrial e de inovação. Os resultados com certeza virão", defende o presidente da ABDI.

Risco caro
Outro entrave para os investimentos privados é a alta taxa de juros. "Não é um ambiente propício", explica Teixeira. Uma firma pequena não vai correr o risco de investir no desenvolvimento de um produto ou na melhoria de um procedimento interno se pode ganhar muito mais aplicando seu dinheiro no mercado financeiro. Apenas grandes companhias como Embraer, Gerdau, Nokia, Merck Sharp & Dohme podem se dar ao luxo de aplicar nesse segmento, mesmo que o produto não traga o retorno esperado. A Merck, por exemplo, gasta algo em torno de US$ 1 bilhão para devolver um produto - leva de 8 a 10 anos para desenvolver um medicamento. Uma empresa pequena não tem disposição financeira para aguardar esse tempo todo sem saber se terá retorno.

"A inovação leva ao aumento da produtividade e ao crescimento econômico. Quando o país não investe nisso perde investimento estrangeiro e mercado", afirma o diretor da Merck no Brasil, José Tadeu Alves. Assim como outros empresários e pesquisadores, Alves acredita que o governo federal deu alguns passos positivos. A Lei de Inovação, que ainda não trouxe resultados, deve diminuir a distância entre universidades e setor produtivo.

"O que deixa menos otimista é que o país ainda olha muito para o retrovisor. Não vê que os outros países estão bem mais rápidos. Falta senso de urgência. Algumas pessoas acreditam que todos querem vir para cá. Não é mais assim. Hoje os países competem entre si. Precisamos acordar para isso. Não podemos ter o viés ideológico das décadas de 1960 e 1970 de proteger a indústria nacional", afirma Alves.


Algumas pessoas acreditam que todos querem vir para cá. Não é mais assim. Hoje os países competem entre si

José Tadeu Alves, diretor da Merck no Brasil


Solução pelo ensino

O Brasil tem um percentual importante de publicações científicas na produção mundial, porém isso não se reflete no processo de inovação. Segundo o diretor do Movimento Brasil Competitivo, Claudio Gastal, o investimento público e privado no setor ainda é baixo e há um problema que precisa ser urgentemente resolvido: o estreitamento das relações entre os pesquisadores e empresas. Só assim melhoraria a infra-estrutura dos institutos de pesquisa, que dependem de liberações de dinheiro público para comprarem ou modernizarem seus equipamentos.

No ano passado o Congresso Nacional aprovou a Lei de Inovação, festejada como um instrumento para facilitar e incentivar as empresas a investirem em pesquisa e desenvolvimento. A lei, de fato, traz avanços como a dispensa de licitação para a transferência de inovação ao setor privado ou a permissão do uso de laboratórios e equipamentos das instituições científicas mediante remuneração, contrapartida ou participação nos resultados. Mas um dos principais instrumentos da lei, a subvenção econômica para empresas que investem em inovação, até agora não foi regulamentado. Na verdade, mesmo isso pode ser pouco.

"Somente a Lei de Inovação não é suficiente. O problema é cultural. Falta cultura das empresas em estreitar as relações com as universidades", diz a gerente de tecnologia do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Brasília, Kátia de Alencar.

Para a pesquisadora da UnB, Cristina Depieri, é improdutivo imaginar ser possível mudar essa cultura atacando-se apenas os atuais empresários. "Para mudar essa ausência de cultura inovadora temos que pensar desde cedo em como incentivá-la", explica. Cristina e colegas do Departamento de Administração da UnB estão desenvolvendo um projeto pioneiro para levar o gosto pelo empreendedorismo e pela inovação às crianças do ensino fundamental.

"Estamos desenvolvendo a metodologia a pedido do governo do Espírito Santo, mas também contamos com a colaboração da Confederação Nacional da Indústria. É uma coisa nova, mas sabemos que assim como será preciso trabalhar os estudantes, o mesmo terá que acontecer com os professores. E tem que ser na raiz, porque depois não adianta", acredita. (ES e LOG)


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