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"O fim do começo" - Por FRANCISCO ESPIRIDIÃO

No alto da minha desorganização, consegui ver uma revista Veja (sem trocadilhos), não tão antiga assim, jogada num dos locais mais improváveis da casa. Datada de 20 de agosto de 2003, a revista chamou-me a atenção pelo assunto de capa. No mínimo sugestivo: "Lula: a primeira entrevista - Quem apostar contra Palocci vai perder".



Não. Definitivamente, não faço o tipo organizado. Estou mais para aquele que guarda a cueca no forno do fogão Tudo por displicência. Dia desses, descobri dentro da sala de recepção do 1.º Distrito Policial que havia saído de casa com a camisa pelo avesso. A Eliana vive implicando comigo por conta da minha mesa de estudos. Nunca está organizada do jeito que ela gosta. Mas tudo bem. "Tudo vale a pena se a alma não é pequena.", já dizia Fernando Pessoa (1888-1935).
Peraí, por que tais considerações tão sem-sentido? Calma. É que, no alto da minha desorganização, consegui ver uma revista Veja (sem trocadilhos), não tão antiga assim, jogada num dos locais mais improváveis da casa. Datada de 20 de agosto de 2003, a revista chamou-me a atenção pelo assunto de capa. No mínimo sugestivo: "Lula: a primeira entrevista - Quem apostar contra Palocci vai perder".
É claro que tamanho chamariz não poderia passar despercebido aos meus céticos e curiosos olhos. Abri na página 41. Mais curioso fiquei com o título da matéria: "O fim do começo". Confesso que, meio "obturado" que sou, fiquei sem entender. Como assim? O fim do começo? Isso me aguçou ainda mais a bendita da curiosidade.
Perdi a hora do almoço sorvendo as palavras do presidente. Reli (sim, eu havia lido na época) a entrevista toda (da página 41 a 51), sempre lembrando que aquelas palavras haviam sido pronunciadas quando o presidente ainda era festejado por gregos e troianos. Hoje, talvez, só pelos troianos.
Quantos desencontros!

Núcleo duro
- Veja: Trabalhar com amigos facilita a tarefa de governar ou às vezes atrapalha?
- Lula: Isso é uma coisa que me dá certa tranqüilidade. O núcleo do governo no Palácio do Planalto é um núcleo histórico meu: é o Luiz Gushiken, é o Luiz Dulci, é o Zé Dirceu, é o Palocci.
Dos quatro, até agora só sobrou um, Luiz Dulci. Palocci e Dirceu foram enxotados do governo da forma mais indigna possível. Antes, Lula jurava que eles haviam "pedido o boné". Depois desdisse tudo. Admitiu, durante entrevista ao Jornal Nacional, no mês passado, que demitira os dois.
José Dirceu foi denunciado pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, como sendo o mentor do "mensalão", a compra de deputados para votar assuntos de interesse do governo. Palocci meteu os pés pelas mãos no caso da quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Já Luiz Gushiken, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação de Governo, lambuzou-se com o desvio de pelo menos 10 milhões de reais da secretaria.

Reforma Agrária
Na entrevista de 20 de agosto de 2003, Lula disse: "Continuo acreditando que nós vamos fazer um grande acordo com os trabalhadores que lutam pela reforma agrária neste país (nestepaiz), mas não podemos repetir o erro cometido até agora".
Lula tinha como meta para os quatro anos de governo (2003-2006) assentar 500 mil famílias. Número longe de se concretizar. Em 2003, apenas 36 mil famílias assentadas; em 2004, 81 mil; e, em 2005, 127 mil. Os números de 2006, evidentemente, não estão fechados, mas para alcançar a meta, seria necessário assentar nada menos que 256 mil famílias (números do próprio MST). Tarefa hercúlea.
Falando sobre a situação agrária brasileira, o professor Bernardo Fernandes, do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Unesp e pesquisador do CNPq, denuncia: "A precarização da política de reforma agrária e das políticas agrícolas, que é marca de todos os governos, está expulsando famílias assentadas. No lugar das famílias assentadas excluídas, são assentadas outras famílias. O problema não se resolve em si, se reproduz em si."

Economia
Lula disse: "O país vai dar um salto de qualidade, mas sem aventura, Eu não quero ser parte de uma onda." A poucos meses do fim do mandato, esse salto não aconteceu. Há quem diga que o país patina, não sai do lugar. Em termos de crescimento, só ganha do depauperado Haiti. O prometido "espetáculo do crescimento" diluiu-se na promessa.

Violência
O empolgado presidente disse "Nós precisamos de ter planos emergenciais para atuar nas grandes periferias, porque é ali que a desgraça acontece, ali que imperam a criminalidade, o tráfico de drogas. Atacar isso é possivelmente mais útil à segurança que todos nós queremos do que contratar mais policiais." Até hoje "estepaiz" espera pelos "planos emergenciais". O brasileiro, seja das grandes periferias como das pequenas cidades brasileiras, vive hoje o pior momento em termos de insegurança.

Reforma ministerial
Para concluir este artigo, relembre o leitor que o repórter de Veja perguntou se estava prevista alguma reforma no ministério àquela altura. Lula foi enfático: não! E disparou: "... não devem (os governantes) agir com base em manchete de jornal. Se eu fosse levar a sério o que diziam, o José Graziano (que entrou no gabinete naquele momento) teria caído com três meses de ministério."
Graziano é, até hoje, ministro do MESA (Ministério Especial de Segurança Alimentar), criado para implementar o programa Fome Zero, fiasco total, há muito posto de lado em razão da inoperância. Em seu lugar, fortaleceu-se o eficiente Bolsa Família, que até aqui tem garantido a Lula permanecer como inquilino do Alvorada por mais quatro anos. Sendo fotografado e dando autógrafo. Oh, glória!
Ah, ia esquecendo de dizer. O presidente estava enganado. Quem apostou contra o Palocci, ganhou.

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