00:00:00

Crônica do Aroldo - UNIÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE

Que nada, isso é pura lavagem de dinheiro... Eles aplicam por aqui e o que sobra é mandado pro Osama financiar seus terroristas... (Em mesa de boteco é assim, a intimidade nasce num piscar de olhos. Quem ouvisse o papo, pensaria que aquele bebum era íntimo do homem da Al Qaeda).


Isaac Bechara, sírio, entrou no Brasil pelo Paraná onde dedicou-se à agricultura e à pecuária. De espírito nômade, como seus patrícios, resolveu mudar-se com a mulher e os três filhos para o Estado de Roraima, pois as terras eram muito baratas e as chances de sucesso seriam maiores. Aportou em Boa Vista e dedicou-se ao trabalho duro, dividindo tarefas e atribuições entre todos os familiares.
Depois de alguns anos de lida, privação e economias, com os negócios indo de vento em popa, decidiu que era hora de ter uma morada mais digna e confortável. Comprou terreno grande e bem localizado no centro da cidade e deu início à construção de um prédio de quatro andares: um apartamento por andar.
O térreo seria ocupado pelo patriarca, o segundo por Jorge, primogênito, o terceiro por João e o quarto por José, o caçula. Os móveis e utensílios para montar e equipar as moradias foram comprados de uma só vez e tudo exatamente igual.
A vida daquela família isolada, nada afeita a badalações, suscitava comentários no seio da pequena cidade: questionava-se a origem do dinheiro, a habilidade que os turcos têm para ganhá-lo e multiplicá-lo, os benefícios fiscais concedidos pelo governo, enfim, mil conjecturas feitas por quem não tem o que fazer.
Sábado à tarde, um grupo de desocupados, entre cervejas e tira-gosto, por pura falta de assunto, resolveu invadir a vida dos sírios:
- Não. Eles já chegaram aqui com algum dinheiro... Ouvi dizer que a família deles é muito rica lá nas Arábias...
- Que nada, isso é pura lavagem de dinheiro... Eles aplicam por aqui e o que sobra é mandado pro Osama financiar seus terroristas... (Em mesa de boteco é assim, a intimidade nasce num piscar de olhos. Quem ouvisse o papo, pensaria que aquele bebum era íntimo do homem da Al Qaeda).
- Não tem nada a ver... Eles nem são muçulmanos... Todos os domingos eles estão ali na missa da Matriz. Eu até já vi dona Imelda comungando.
- Gente, vocês ficam falando besteira sobre pessoas e vidas que vocês não conhecem. Os homens vieram pra cá, são trabalhadores e não perdem tempo com coluna social, festinhas e mesas de bar. Agora que começam a colher os frutos plantados, vocês ficam imaginando e inventando histórias. Eu, por meu lado, acho bonito e aprecio o estilo de vida deles. Vejam só como eles são unidos: construíram um prédio de quatro andares, um andar para cada um. Isso é o que eu chamo família e união. - Apartou Adolfo, incomodado com as possíveis inverdades sobre os forasteiros.
Cachorro-magro, que, até então não tinha falado nada, sorveu um longo gole de cerveja, bateu levemente na mesa para chamar a atenção e falou pausadamente:
- União e família coisa nenhuma... Eu sou filho de sírios e sei como esse povo se comporta. O velho construiu o prédio com apartamentos, mobiliou tudo igualzinho e ali ajuntou a família, porque assim fica mais fácil um vigiar o outro... Assim ninguém passa ninguém pra trás.

e-mail: [email protected]

Últimas Postagens