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VANTAGENS SALARIAIS - Crônica do Aroldo

Ramiro, aqui está o seu salário: duzentos cruzeiros. Temos que rever o nosso acordo...: a partir de hoje seu ordenado passa a ser duzentos cruzeiros "sem" bolacha; "com" bolacha vou lhe pagar só a metade... Tá bom assim?"


Cidadezinha pobre, empoeirada, triste. Assim era Quixará nos anos cinqüenta. Na rua principal uma loja de tecidos, um armarinho, uma pensão, um arremedo de farmácia
e um bar e mercearia - bodeguinha típica do agreste cearense - onde se vendia um pouco de tudo. Esta mercearia tinha como chamariz uma mesa de sinuca com o tempo marcado por viciado relógio de pêndulo.
Ramiro completou 14 anos; esperto que era, lutou para não ter a mesma sorte de seus conterrâneos e entregar sua vida à roça totalmente dependente da má vontade de São Pedro: queria estudar. Para cumprir sua meta, pediu emprego a Zé Pinheiro, proprietário da bodega citada no parágrafo anterior. Este aceitou o filho de seu compadre como ajudante visando mais o interesse do garoto do que a necessidade de um funcionário. Salário: duzentos cruzeiros.
O comerciário chegava cedinho, abria a bodega, tirava a pó do balcão, limpava mesas e cadeiras, varria o recinto, molhava a frente do imóvel para diminuir a quentura e evitar poeira e se postava à espera de fregueses que raramente apareciam.
Logo na entrada do estabelecimento, entre grosseiros sacos abertos de farinha, arroz, feijão e açúcar, um saco branco, também aberto, com frescas bolachas de maisena. Ramiro, um dia, às escondidas, comeu uma daquelas delícias. Adorou. Adorou e viciou. Sempre que podia, surrupiava uma bolachinha e enganava o estômago necessitado de alguma sustança: qualquer sustança. Logo, o patrão notou que à medida que o seu estoque de bolachas diminuía, a barriga de seu gerente aumentava. Tinha que dar um basta naquela situação, pois sua mercadoria estava sendo literalmente engolida. Decidiu tomar tenência sem, no entanto, melindrar o garoto por quem nutria grande estima. No último dia do primeiro mês de trabalho Zé Pinheiro chamou o funcionário num canto, perto de onde ficavam a gaveta e as cadernetas de fiado, contou dez notas de vinte cruzeiros, estendeu-as na direção devorador de bolachas e falou:
- Ramiro, aqui está o seu salário: duzentos cruzeiros. Temos que rever o nosso acordo...: a partir de hoje seu ordenado passa a ser duzentos cruzeiros "sem" bolacha; "com" bolacha vou lhe pagar só a metade... Tá bom assim?"

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