- 23 de julho de 2025
Por Márcio Accioly
Se os vastos recursos destinados à Funasa/RR fossem utilizados corretamente, os graves problemas sob sua responsabilidade seriam conduzidos sem maior dificuldade. Mas como os desvios alimentam a voracidade de desonestos insensíveis (convencidos de que ficarão para sempre impunes), os dramas se acumulam e se travam sem solução.
No dia 14 de junho passado (quase há dois meses, portanto), o MPF - Ministério Público Federal -, em Roraima, recebeu documento relacionando sete irregularidades praticadas naquele órgão, as quais podem ser facilmente comprovadas.
Assinado por funcionário da instituição (que por razões óbvias não quer se identificar), enumera irregulares "procedimentos adotados pelo atual coordenador", Ramiro Teixeira, citando, ainda, "a forte ingerência político-partidária" (exercida pelo senador Romero Jucá Filho, PMDB).
O primeiro item se refere à "Contratação horas/vôo em monomotor". Traz histórico de desmandos já citados em artigo anterior. Relata prejuízo ao "erário de R$ 67.814,69 (sessenta e sete mil, oitocentos e quatorze reais e sessenta e nove centavos)" só em função de mudança no critério de pagamento.
Anteriormente, "o tempo apontado como efetivamente voado" era observado "nos atesto das notas fiscais". Desde a contratação da Roraima Táxi Aéreo, no entanto, "os critérios se inverteram,", fato que gerou prejuízo para a instituição.
As milhares de horas/vôo teriam acontecidas, supostamente, na promoção de melhor atendimento médico aos indígenas da etnia Ianomâmi. Mas nada disso se constata. O que se vê é a incidência de malária, tuberculose, oncocercose, parasitose e outras endemias que estão dizimando os indígenas.
Além disso, os profissionais de saúde, terceirizados, têm sofrido com os salários frequentemente atrasados, fato constante na administração Ramiro Teixeira. A Casa do Índio de Boa Vista, Capital de Roraima, está superlotada. Sem medicamento e em condição de miséria. Nada funciona. O abandono é total!
Para quê, finalmente, serve a Funasa? É o que se perguntam os que observam o desamparo dos Ianomâmis.
O segundo item denuncia a contratação de oficinas mecânicas sem licitação, contrariando "o parágrafo único, art. 60 da lei 8.666/93". No terceiro item do documento encaminhado ao MPF, o funcionário aponta o favorecimento à Consepro, citando a participação direta da "esposa do proprietário" daquela construtora.
Ela não havia sido ainda nomeada chefe da Divisão de Engenharia (que absurdo!). Aborda a preterição de comunidades indígenas, a ilegalidade de procedimentos adotados e a questão de superfaturamento nos preços.
O quarto item denuncia nepotismo e contratação de pessoal terceirizado "através de Fundação ligada à UNB". Expõe, mais uma vez, "a carência de profissionais de saúde em área indígena".
O quinto item envereda pela malandragem aplicada na "aquisição de combustível". Desvios e mais desvios, engordando as arcas dos vivarachos.
O sexto item deixa bem clara a questão do superfaturamento nas compras efetuadas pela Funasa, citando o caso de uma impressora a laser (xerox), cujo preço de mercado é R$ 2.466,76 (dois mil, quatrocentos e sessenta e seis reais e setenta e seis centavos), pela qual o órgão pagou oito mil reais. Quase o valor de quatro impressoras!
O sétimo item discorre sobre "Aquisições sem licitações" e corre por vasto campo. Numa subdivisão desse item, é lembrada a utilização "de veículo da instituição para interesses particulares". Tudo documentado, com datas e hora.
Em função dos desmandos na Funasa/RR, os recursos financeiros que deveriam ser destinados à saúde indígena praticamente inexistem. Reina um verdadeiro caos. De quem é a responsabilidade? Que ações serão empreendidas pelo poder público?
No caso da morte dos Ianomâmis, que já vem acontecendo há algum tempo (em decorrência desse pavoroso cenário administrativo), quando os que deveriam cuidar da administração dos milhões de reais disponíveis serão chamados às falas?
O poeta Castro Alves, no seu "O Navio Negreiro", indagou desesperado:
"Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade, tanto horror perante os céus?"
Ao se constatar o modelo de imprudência, insensatez e desprezo à saúde indígena, adotado pela Coordenação da Funasa, em Roraima, vê-se que ensandecidos infratores apenas fazem transposições históricas de horrores que levam à compunção, sem justificarem a arrogância desmedida e o inexcedível descaso.
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