- 23 de julho de 2025
Carlinho era um exemplo de rapaz; filho de funcionários públicos, lutava com dificuldade para atingir seu objetivo maior: formar-se engenheiro. Trabalhava durante o dia, estudava à noite e, nas horas vagas, não dispensava um bico. Ser construtor, na verdade, não era um fim, mas um meio. Ele nutria amor muito grande por Sandra, sua namoradinha desde os treze anos de idade, e alimentava firme idéia de casamento. Pragmático, Carlinho decidiu que daria à sua musa uma vida mais confortável que a de seus pais. Tinha de correr atrás para realizar o grande sonho.
Morando a quatro quadras da casa de Sandra, sempre que sobrava um tempinho, nosso herói visitava a namorada em busca de carinho e atenção.
O mísero salário de Carlinho mal dava para custear suas despesas, assim, nos finais de semana, tudo o que restava eram uns amassos na sala de visitas do humilde sobrado ocupado pela família de Sandra. Sem prévio acordo, os horários de namoro eram limitados pela programação da Globo: aos sábados ele chegava para o "Jornal Nacional" e saía depois do "Supercine"; aos domingos ia do futebol ao final do "Fantástico".
No dia dos pais, Carlinho foi convidado para almoço festivo na casa da noiva. Glória! Vestiu roupa domingueira, comprou uma garrafa de vinho no camelódromo e seguiu para o compromisso com o sogro.
Durante o dia, ele tomou algumas cervejas com seu Armando, jogou vídeo-game com o caçula da casa (saco!), refestelou-se na lasanha preparada por dona Nilce e aboletou-se no sofá da sala para assistir à seqüência da Globo: Faustão, Futebol, Faustão, Fantástico.
O dia, amanhecera ensolarado, mas, já no "Retrato Falado", quadro do programa de domingo, começaram raios e trovoadas. De repente, caiu o maior toró. Vieram os "Gols do Fantástico(1)", um quadro científico e "As últimas notícias". Seu Armando desceu para tomar água e, sutil e tacitamente, avisar que "tava na hora"; cruzou a sala, foi até a porta, olhou o temporal, lançou um olhar para o casal no sofá e subiu. Terminado o Fantástico, a chuva - dessas de matar sapo afogado - não dava trégua. Começou o "Sai de Baixo" quando seu Armando desceu novamente e, a contra gosto, falou:
- Meu filho, parece que esse aguaceiro vai longe... Acho melhor você dormir por aqui... - E dirigindo-se à filha - Sandra, suba e ajeite um colchonete no quarto do Hugo.
Sandrinha deu uma bicota no namorado e subiu as escadas na mesma pisada do pai.
Ao cabo de alguns minutos a noiva desceu e, para sua surpresa, encontrou o sofá vazio. Procurou o amado pela cozinha, viu que a porta do banheiro estava aberta (logo, ele não estava ali), abriu a janela da frente, olhou para a esquerda e para a direita e nada... Trancou a porta e subiu para o seu quarto tentando imaginar o que tinha se passado na cabeça de Carlinho.
Já ecoava o segundo plim-plim do "Domingo Maior", quando soou a estridente campainha da casa. A família, sobressaltada, desceu as escadas para ver quem estava ali àquela hora. O patriarca, com o resto do povo na retaguarda, entreabriu cuidadosamente a porta e vislumbrou o visitante: Carlinho todo ensopado, com um pequeno saco plástico na mão direita e outro, enorme, debaixo do braço esquerdo, espirrou, passou a mão dentre os cabelos molhados e, meio sem graça, falou para a família estupefata:
- Fui lá em casa buscar meu pijama e meu travesseiro...
(1) Acredite se quiser: o plural correto de "gol" é "goles"; pronuncia-se aberto "ô".
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