- 29 de outubro de 2024
Ah, esta paixão pelo futebol. Copa do mundo! O esporte bretão toma conta de todas as rodas de conversas desta terra abençoada por Deus e bonita por natureza. Neste vai-e-vem de fatos históricos, interessantes e pitorescos do mundo futebolístico, veio-me à mente o Estádio João Mineiro nos seus dias de glória.
Na meu mundo infantil, o João Mineiro era o maior estádio do mundo. Certo dia, na década de sessenta do século passado, ali rolava um jogo entre o Atlético Roraima Clube e o Nacional do Amazonas. Na partida, Áureo Cruz atuava como árbitro ajudado pelos bandeirinhas Montenegro e Caga-osso. Aquele juiz, diretor social e apaixonado pelo verde-branco-vermelho da camisa do clube local, não se preocupava em disfarçar a sua preferência.
O placar contava 1X1, resultado que demonstrava o bom desempenho do futebol amador das Terras Uapixanas. De repente, aos trinta e oito minutos do segundo tempo, um atacante do time amazonense, numa jogada oportunista e genial, driblou Canhoto, zagueirão do Roraima, deslocou Guilherme, o goleiro, e chutou no canto esquerdo superior da meta tricolor. Gol!
Áureo Cruz pensou em anular a jogada alegando off-side (era assim que se chamava impedimento naqueles dias), mas a clareza do lance não deixava dúvidas quanto à lisura do gol. Fazer o quê? Deixar a bola rolar e torcer para que a equipe roraimense se mexesse e, pelo menos, empatasse a partida.
Tracajá, o artilheiro da equipe local, olhou para o juiz e abriu os braços, como se perguntasse: "E agora?" Áureo, o árbitro, sinalizou mandando toda a equipe para o ataque e falou amiúde para Tracajá: "Manda teu pessoal para a grande-área que eu marco um pênalti".
A equipe amazonense fechou a defesa na altura do meio-de-campo, impedindo que os jogadores locais se aproximassem da sua meta e aproveitassem a ajuda que o juiz da partida estava disposto a dar.
Aos 45 minutos, o técnico manaura levantava os braços pedindo o final da partida. Aos 46 minutos, a bola ainda rolava em campo para desespero do cansado Nacional. Aos 47 minutos, os jogadores amazonenses trocavam passes descompromissados à espera do apito final. Aos 48 minutos, a pequena torcida do Nacional no estádio vaiava e pedia que o jogo acabasse. 49 minutos e Áureo, o árbitro, não tava nem aí: queria mais jogo. Aos 51 minutos, Tracajá roubou a bola do adversário e num rompante de guerreiro conduziu-a até o final do campo, driblou o goleiro do time visitante e chutou rasteiro. Gol! Áureo apitou, levantou os braços, gritou, vibrou, correu para a bola, colocou-a debaixo do braço e sinalizou, cruzando alternadamente as mãos espalmadas, que a partida tinha acabado. Resultado: 2X2.
Enquanto o juiz do embate abandonava o gramado sob vaias e xingamentos da torcida adversária, um torcedor injuriado e mais afoito dele se aproximou e, dedo em riste, falou:
- Você é um juiz-ladrão!
O juiz-torcedor-do-roraima virou-se para aquele homenzinho mirrado, sorriu - aquele seu sorriso maroto e gozador - e na sua voz tonitruante, respondeu:
- O juiz é ladrão, mas é soberano! - Ato contínuo, dirigiu-se à equipe do Roraima e convidou - Gente, agora vamos pro Chico Lira! A cerveja é por minha conta! Eita, esse nosso time é foda!
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N.A. - Ao escrever esta estória, senti muita saudade de Áureo Cruz. Eu, apesar de menino à sua época, tive o prazer de com ele conviver e admirá-lo: Áureo, O Príncipe Roraimense.