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SATANÁS E A GLOBALIZAÇÃO - Aroldo Pinheiro

O português, uma língua tão bonita e rica, deixa-se levar por modismos. Eu, pessoalmente, detesto os termos da moda. "De repente", "mei que", "a nível de" e "com certeza", dentre outras expressões, são usadas de maneira abusiva e irritante. Acho uma tremenda falta de criatividade o uso - e abuso - destas palavrinhas que só demonstram a mais pura preguiça mental.


O português, uma língua tão bonita e rica, deixa-se levar por modismos. Eu, pessoalmente, detesto os termos da moda. "De repente", "mei que", "a nível de" e "com certeza", dentre outras expressões, são usadas de maneira abusiva e irritante. Acho uma tremenda falta de criatividade o uso - e abuso - destas palavrinhas que só demonstram a mais pura preguiça mental de quem as utiliza. Preguiça de raciocínio. Mas, dizem que isso faz parte da globalização.O "com certeza", então, com certeza, serve tudo:

- Você gostou do filme?

- Com certeza.

- Vamos fazer um lanchinho?

- Com certeza.

- É hora de ir pra casa.

- Com certeza.

- Vamos deitar?

- Com certeza.

- Hummm..., você quer?

- Com certeza.

- Foi bom pra você, meu bem?

- Com certeza.

Numa dessas noites de insônia, sem interesse por leitura, sem nenhum filme pra assistir e sem ânimo pra coisa alguma, colei-me ao controle remoto da tv e fiquei zapeando: canal 4, 6, 8, 10, 12, 23, 28...;  de novo: 4, 6, 8... Logo, parei numa dessas emissoras que transmitem programas evangélicos. Os pastores - dizem que pra mais de 300 -, ali, prometem cura para todos os males. Problemas físicos, psicológicos, sentimentais, espirituais, materiais e o escambal: bico-de-papagaio, enxaqueca, espinhela-caída, dor-na-pá, desvio-de-espinha, catarata, gonorréia, caspa-na-sobrancelha, unha encravada, problema-de-chifre, título protestado... Tudo é curado em nome de Deus. Amém, Senhor! (Mas, não esqueça do dízimo, viu?)

Chegou a hora do descarrego. Fiquei me divertindo com a presepada: aparecia demônio de tudo que é jeito.

Lá pelas tantas, o pastor introduziu no palco, arrastada pelos cabelos, uma mocinha mirrada com as mãos soltas para trás. A fiel trazia os dedos tortos e duros como se atacados por artrite. O pastor dizia que aquela menina estava possuída, mas que, com seus poderes, tiraria o demo "daquele corpo que não pertencia lhe pertencia". A mocinha se sacudindo no ritmo que se dança nos terreiros de macumba, gritava e urrava numa voz sobrenatural. O tirador-de-espíritos deu-lhe uns puxões de cabelos, umas duas ou três porradas nas costas, uns empurrões com o peito, uns quatro tapas na cara. E  começou o diálogo:     

- Quem é você? - Perguntou o pastor.

- Hem? - Respondeu aquela voz descomunal

- O que você quer?

- Hem?

- Diga o que você quer!

- Hem?

- Você quer este corpo?

- COM CERTEZA! - Foi a resposta obtida de uma voz masculina, grossa, alta e forte vinda daquele mirrado corpinho feminino. Voz fantasmagórica.

Desliguei a televisão, apaguei a luz, fechei os olhos e dormi pensando: "Meu Deus! Globalizaram o Capeta."

 

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