- 29 de outubro de 2024
Por Amilcar Sérgio, especial para o Fonte
Sem iluminação pública adequada e com ruas e avenidas tomadas pelo mato, Caracaraí é o retrato do abandono. Moradores da cidade portuária, que já foi um dos municípios mais prósperos do Estado, hoje enfrentam dias de amargura com altas taxas de desemprego.
Caracaraí parece ter parado no tempo. Sem recurso financeiro para sanar os principais problemas, a prefeita, popularmente conhecida como Vaninha, atribuiu a culpa à administração passada, do então prefeito Antônio Reis.
Vaninha não perdeu tempo, nem poupou críticas durante a entrevista. Disse que assumiu a prefeitura sucateada e com muitos débitos da gestão anterior. "E até hoje temos dificuldades na hora de receber recursos federais, porque Antônio Reis deixou o município na inadimplência. Não prestou contas", explicou.
Também para justificar a atual situação de Caracaraí, a prefeita lamentou a considerável redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços). Segundo ela, atualmente o município recebe de R$ 280 a R$ 300 mil, mensal, enquanto a gestão passada recebia R$ 800 mil. "Também é bom lembrar que a cidade era imunda na administração anterior. A população tem que entender que deve nos ajudar na limpeza. O morador tem que cuidar do seu terreno e fazer suas calçadas", orientou a prefeita.
Fora da disputa política, quem mora em Caracaraí sente na pela os reflexos negativos da falta de compromisso dos chefes municipais. Até o bairro do Centro, o principal da cidade, encontra-se no meio do mato. A aposentada Raimunda Sacramento dos Santos, 68, moradora há 16 anos de Caracaraí, disse que nunca viu a cidade tão abandonada como agora. "Só tem mato e escuridão.
A cobra já picou um bem ali (apontando para a Praça da Bíblia, tomada pelo mato na frente de sua casa)". Na periferia Moradores matam cobras dentro de casa Legenda: Se no Centro os moradores enfrentam dificuldades, quem vive na periferia passa apuros. Com as chuvas, o mato alastra-se cada vez mais, fazendo desaparecer praças, ruas e avenidas.
O pescador Manoel Vinícius da Silva, 62, enfrenta uma barra todos os dias. Morador de Caracaraí há 20 anos, na rua 27 de Maio, no bairro Jacarezinho, ele luta constantemente contra mosquitos e animais peçonhentos. A preocupação é uma só: proteger os 18 netos que residem em sua casa. "Já pegaram coceira, malária, ferrada de aranhas e até de cobras. Dias desses, mataram uma aí debaixo da mesa de sinuca", relembrou Manoel.
A família do pescador é grande. São 18 netos e seis adultos que sobrevivem da renda de um boteco, isolado no meio do mato e da lama, e de R$ 65,00 do programa federal Bolsa Família. "A prefeitura nunca passou por aqui. Nós que aterramos a rua. Vivemos um drama. Eu e minha velha estamos desempregados. É muita boca pra comer e a situação cada vez mais fica difícil", lamentou Manoel.
Para piorar a situação da família Silva, a esposa do pescador, Francisca Barroso, foi retirada sem qualquer explicação de uma lista da Prefeitura que beneficiava moradores necessitados com a construção de uma casa de alvenaria. "Tiraram meu nome e eu não sei o porquê. Passamos dificuldades. Fora os R$ 65,00 do programa federal, só podemos contar com a renda do bar, pois meu esposo ainda não conseguiu receber aposentadoria", contou Francisca.
Comerciantes estão deixando Caracaraí O açougueiro Nelson Rui, cansado de esperar pela prefeitura, decidiu pagar para capinarem parte de sua rua, a T-21, no Centro. "Isso aqui à noite vira uma escuridão. Não tem luz nos postes. A cidade está falida", lamentou. O açougueiro foi além. Reclamou que não há remédios nos postos de saúde, nem professores suficientes.
Também falta, segundo ele, mais policiais nas ruas. "Falta incentivo por parte do Município para que os empresários voltem a investir em Caracaraí. Nunca passamos por esta situação", disse Nelson, que já colocou a casa e o ponto comercial à venda. "Ainda não fui embora daqui porque não consegui vender", concluiu.
A desempregada Dionete Nunes de Souza, 21, moradora da avenida Nossa Senhora do Livramento, no bairro Livramento, também reclama da vida. Mãe de dois filhos, a jovem vive um drama. Além da lama, escuridão, insegurança e a falta de assistência médica, Dionete é obrigada a sobreviver do dinheiro que a mãe recebe dos programas federais Bolsa Família, Vale Alimentação e PETI, cerca de R$ 190,00 mensal.
"A mamãe adoeceu e foi internada em Boa Vista. Agora, tenho que me virar sozinha porque meus dois filhos adoeceram devido a lama podre na frente de casa. Às vezes, conto com a ajuda de um irmão", comentou. Vereadores cobram esclarecimentos da prefeita.
Provas
Vereadores da Câmara de Caracaraí colhem provas de supostas irregularidades na gestão municipal. A intenção da oposição é cassar o mandato da prefeita. O vereador Jânio Fernandes, oposição ferrenha a Vaninha, disse que o desenvolvimento em Caracaraí estancou porque mais de 60% da receita municipal foram destinados à folha de pagamento dos munícipes, o que contraria a lei de responsabilidade fiscal. Vaninha, segundo ele, transformou a prefeitura em cabide eleitoral. "Por isso, falta dinheiro em outros setores. Não existe política de geração de emprego e renda", concluiu.
A situação vem se complicando. Jânio também informou que a prefeita poderá ser cassada, caso não dê informações da sua administração nos próximos 12 dias. "A Câmara solicitou várias informações, via requerimento, e a chefe municipal continua omissa. Exigimos esclarecimentos sobre o número de servidores, processos licitatórios, dados da receita municipal e entrada de dinheiro federal do Fundef", comentou.
Na sessão da última segunda feira, a mesa diretora convocou a prefeita para dar explicações em Plenário. Como não compareceu, Vaninha terá agora 15 dias para se pronunciar, caso contrário, corre o risco de ser cassada. Jânio contou também que o Legislativo já enviou 10 requerimentos à prefeita, que não respondeu nenhum.
"Se não der satisfação, ela poderá responder a um processo de crime de responsabilidade fiscal, podendo perder o mandato, conforme lei orgânica do município, em seu artigo 49, parágrafo único", avisou. Conforme o vereador, com o requerimento em mãos, Vaninha tem até o próximo dia 14 para se pronunciar. "Infelizmente, o povo sofre com a má administração dos recursos.
Faltam projetos políticos. O município está enfraquecido", ressaltou. "Cadê o dinheiro?" Jânio revelou que somente no ano passado, Caracaraí obteve R$ 13 milhões de receita. "E a prefeita se nega a dizer aonde o dinheiro foi investido. Queremos saber a verdade. Onde o dinheiro foi parar?", questionou.
Os R$ 13 milhões são oriundos do FPM, de transferências estaduais, federais e da arrecadação do município. "Portanto, falta transparência da aplicação desses recursos. Já solicitamos as informações, mas Vaninha sempre nega", lamentou. Questionado sobre a atual situação de Caracaraí, o vereador orientou a Reportagem a recorrer ao povo. "Percebam vocês mesmos, como a insatisfação aqui é grande. Há deficiências em todas as áreas, educação, saúde, segurança".
Prefeita
Respondendo aos ataques da oposição, a prefeita criticou com veemência os vereadores. Rebateu as denúncias dizendo que a Câmara quer emperrar a administração municipal por questões políticas. "Eles não aceitam a derrota nas urnas. Fui a primeira prefeita a vencer um pleito contra as máquinas municipal e estadual. Parecia Davi contra Golias. Agora, estou moralizando a administração. E eles têm que entender que não há mais privilégios", disparou.
Sobre a omissão de informações, a prefeita deixou claro que continuaria se negando porque, segundo ela, os vereadores não estão obedecendo aos prazos previstos na lei. "Querem tudo em dois, três, 15 dias. A lei me garante 30 ou até 60 dias para me pronunciar", justificou, ressaltando que por esse motivo não é obrigada a cumprir os pedidos.
Ainda conforme Vaninha, meses atrás, os opositores pediram e receberam a relação da folha de pagamento dos servidores. No dia seguinte, garantiu Vaninha, xérox dos documentos foram espalhadas pela cidade. "E isso é um crime. É para isso que querem informações sigilosas?", indagou.
Sem recursos Vaninha admitiu que não há dinheiro suficiente para a manutenção e limpeza da cidade. As reduções do ICMS e do FPM, segundo ela, prejudicaram os trabalhos da atual administração. Contudo, a prefeita garantiu que o seu próximo desafio será limpar Caracaraí. "Sei que a cidade está dentro do mato, mas já abrimos processo licitatório. O certame está em fase de conclusão. Não é simples, como pensam. Só para limpar a sede, precisamos de R$ 250 mil. E não temos hoje este dinheiro", frisou.
Nepotismo
Os vereadores de oposição e a população também reclamam de um suposto nepotismo na prefeitura. Mais de 15 parentes de primeiro e segundo graus de Vaninha estariam ocupando cargos de confiança e recebendo bons salários. A prefeita não escondeu o jogo. Disse que a Lei do nepotismo vale apenas para o Poder Judiciário. "Ponho para trabalhar quem eu confio, por isso o cargo é de confiança", respondeu.
Vaninha também aproveitou para desmentir aqueles que lhe acusam de perseguidora. Ela garantiu que, desde quando assumiu, nunca demitiu alguém. Ao final da entrevista, a prefeita e alguns secretários mostraram à reportagem o principal motivo da falta de recurso do município, o que estaria prejudicando o desenvolvimento da cidade. Caracaraí tem de R$ 8 a R$ 10 milhões para receber em projetos que já foram analisados e aprovados em Brasília.
"Mas corremos o risco de não receber por causa da inadimplência deixada pela administração passada", lamentou Vaninha.