- 29 de outubro de 2024
A flor desabrochou: a veia estourou e o sangue fluiu. Ele convivia com as varizes anorretais há muito tempo.Dominou e controlou empiricamente as eventuais crises. Para um pequeno incômodo aqui, um filete de sangue acolá, Sebastião desenvolveu suas próprias técnicas para conviver com o problema.
Desta vez, não. Desta vez, a coisa tava séria. Através de conselhos de amigos passou a utilizar-se de novas medidas: ervas, banhos-de-assento, simpatias. E nada do sangramento estancar. Resistiu quanto pôde, mas capitulou e decidiu consultar um médico que foi taxativo:
- Seu problema é grave e urgente, Sebá. Só se resolve com intervenção cirúrgica!
Fazer o quê? O médico, vendo o terror estampado naquela face, tentou amenizar explicando-lhe todos os procedimentos cirúrgicos:
- Além do mais, você é uma pessoa jovem..., saudável... Há de tirar isso de letra. Se seguir todos os passos do pós-operatório, logo, logo estará com o bocal do fedegoso zerado. - Disse-lhe o doutor pilheriando, pois a intimidade entre ambos permitia brincadeiras.
A cirurgia foi marcada para as oito da manhã de sexta-feira. Sebastião internou-se na véspera para os pré-operatórios: jejum seguido à risca e medicamentos tomados cuidadosamente. Às cinco horas da manhã do dia estabelecido, um enfermeiro invadiu seu quarto empurrando barulhento carrinho. Estacionou-o ao lado da cama e, após breves cumprimentos, comunicou:
- Estou aqui pra prepará-lo para a cirurgia... Tire a roupa!
Sebastião, cheio de vergonha, foi se despindo frente ao profissional que, munido de um aparelho de barbear descartável, começou as raspar-lhe os pelos do "baixo-leblon" a seco. Quando instruído a ficar de bruços para fazer a barba do glúteo e da região anal, o paciente relutou, mas, a duras penas, obedeceu. Encerrado o escanhoar, o profissional de enfermagem ministrou-lhe alguns comprimidos, virou-se para o carrinho e, para pavor do paciente, apanhou um horroroso recipiente de borracha alaranjada, encheu-lhe de água, atarraxou um longo e indecente pino preto de plástico e, sem meias palavras, determinou:
- Vire-se!
Sebastião engoliu seco, ficou vermelho de vergonha e de raiva e falou:
- Nani, nani, nani... Nessa bundinha que mamãe beijou, você não vai colocar nada não...
- Que é isso, mestre? Estou só seguindo instruções... Isso faz parte dos preparatórios para a cirurgia...
- Nada disso! Já falei que aqui neste tobinha não entra nada. Só sai.
- Mestre, temos que fazer a lavagem... São procedimentos normais... Caso não a executemos, existe a possibilidade de, sob o efeito da anestesia, o senhor evacuar na mesa de operação e complicar o trabalho dos médicos além de correr riscos de infecções...
- Nada disso! O médico que vai fazer a cirurgia é meu amigo. Ele me explicou todo o procedimento pré e pós-operatório. Nada me foi dito a respeito de clister. Esse troço aí, você vai botar na sua mãe!
- Mestre..., vou fazer de conta que não ouvi o que você disse. Entendo que o senhor esteja nervoso... É necessário, no entanto, fazer a lavagem... Do contrário comunicarei ao médico e ele não fará a sua cirurgia.... Tá nas suas mãos...
- Olhe..., pode deixar que eu me entendo com o doutor... Vá-se embora. Este problema eu resolvo...
- Tá bom... Fique claro que eu tentei cumprir a minha obrigação... Vou relatar o que aconteceu e, daqui pra frente, o problema é todo seu... - Dito isto, fez anotações no prontuário, manobrou o carrinho e rumou quarto afora.
O enfermeiro já estava dobrando a porta para o corredor, mas virou-se quando ouviu Sebastião gritar:
- Ei, volte aqui... Como é o seu nome?
- Josenildo...
- Josenildo..., é o seguinte: não vamos polemizar... Você promete que esse assunto fica só entre nós dois?
- Claro...
- Você não vai contar pra NINGUÉM MESMO...?
- Claro, mestre, são procedimentos normais e profissionais...
- Então faça o seguinte...: feche a porta..., passe a chave..., apague a luz... e vamos seguir as instruções do doutor... - Daí, virando-se de bruços e fechando os olhos - Mas você vai passar uma vaselinazinha, não vai, Josenildo...?
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