- 29 de outubro de 2024
Lilian Tahan
Da equipe do Correio
Enquanto as reformas tributária, sindical e trabalhista se arrastam pelas comissões do Congresso Nacional sem expectativa de desfecho próximo, alguns parlamentares dedicam tempo, papel e mão-de-obra para criar leis que, se aprovadas, teriam pouco ou nenhum efeito prático no dia-a-dia da maioria das pessoas. Em alguns casos, o único impacto é mesmo o do espanto.
Um projeto do deputado Celso Russomanno (PP-SP) de 2006 propõe alteração na legislação para substituir o termo estupro por assalto sexual. A justificativa do parlamentar, escrita no corpo do projeto de lei, é de que a palavra é antiquada e traz uma "carga de constrangimento, violência, depreciação e mal estar moral, sentimentos negativos que foram associados à expressão ao longo de sua utilização". Na interpretação de Neide Castanha, secretária-geral do Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria), a tentativa de criar um termo politicamente correto saiu pela culatra. "É uma proposta infeliz de tirar a carga inevitável de mal-estar que não é medida pelo nome que a violência leva, mas pelo ato praticado em si. Estuprada ou assaltada sexualmente, a mulher se sentirá igualmente violada, com o requinte machista, nesse caso, de que a um assalto em geral não se deve reagir", considera.
Em outra abordagem curiosa sobre o mesmo tema, o deputado propõe uma mudança na Lei de Execução Penal para oferecer um tipo de tratamento hormonal a homens condenados por terem praticado estupro, atentado violento ao pudor, assédio sexual ou ato obsceno. Partindo do pressuposto de que tais crimes ocorrem pelo excesso de desejo sexual de quem os comete, ele propõe que sejam aplicados nos pacientes criminosos "doses químicas" para diminuir o efeito da testosterona (hormônio masculino) do indivíduo e, com isso, reduzir sua capacidade sexual. Russomanno argumenta que o tratamento é bem-sucedido na Noruega e Dinamarca.
Elimar Damasceno (Prona-SP) protocolou em 2005 um projeto de lei para proibir que transexuais mudem de nome. Para justificar a preocupação com o tema recorreu a Johann Wolfgang von Goethe, famoso pensador e escritor alemão: "O nome de um homem não é como uma capa que lhe está sobre os ombros, pendente, e que pode ser tirada ou arrancada a bel prazer (...)". E conclui: "Ora, se assim é, por que permitir que os referidos indivíduos venham a mudar de nome ou prenome? Agem contra a sua individualidade mutilando os próprios caracteres sexuais, e ainda lhes são oferecidos a oportunidade de mudança de prenome". Ele também não concorda que pessoas do mesmo sexo se beijem no meio da rua e para coibir coisa do tipo submeteu à Mesa Diretora da Câmara projeto para tornar "contravenção penal o beijo lascivo" entre homossexuais.
O mesmo parlamentar dedicou-se a elaborar projetos para criar o Dia da Esperança (estrategicamente pensado para 31 de dezembro, véspera de ano novo), o Dia da Verdade ( tentativa, quem sabe, de compensar as mentiras contadas em 1o de abril). São dele ainda quatro projetos de lei para incluir personalidades no Livro dos Heróis da Pátria.
Comemoração
Há, aliás, uma queda dos parlamentares pelas datas comemorativas. Muitos apresentam projetos de leis com objetivo de dar status a determinado tema elegendo um dia do ano. Assim, só nesta legislatura foram sugeridos o dia nacional do forrozeiro (virou lei como dia nacional do forró), da bossa nova, do sono, do macarrão. É isso mesmo, na concepção de Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) o macarrão é um alimento tão importante na dieta do brasileiro que merece até mesmo homenagem, a saber dia 25 de outubro. O projeto está parado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Hauly também se debruçou a criar lei para tornar obrigatório que cada sala de aula de escolas públicas ou particulares tenha uma bandeira do Brasil. E mais. Os alunos, todas as manhãs, devem prestar o seguinte juramento: "Perante esta Bandeira, sob a proteção de Deus, prometo defender a nação brasileira, a democracia, a liberdade, a justiça, a paz, a vida, sob todas as suas formas, o território brasileiro e os recursos naturais." Ele não é o único preocupado com o assunto. Jair Bolsonaro (PPB-RJ) defende em outro projeto de lei que, durante execução do hino nacional, as pessoas sejam obrigadas a manter a mão direita sobre o lado esquerdo do peito.
A criatividade e o tempo livre para se dedicar a temas periféricos não é exclusividade desta legislatura. Projetos esquisitos são prática antiga na Câmara dos Deputados. Em 1984, o deputado Nelson do Carmo (PTB-SP) apresentou projeto para proibir a lavagem de batatas; em 1991, Nilton Gibson (PMDB-PE) quis emplacar na Constituição prazos de validade para cerveja; em 1965 tentou-se homenagear os menos abonados, criando o Dia dos Pobres.
PARA TODOS OS GOSTOS
Conheça alguns projetos de lei dos deputados na atual legislatura