- 29 de outubro de 2024
Reformas de faz-de-conta Sem pressão da opinião pública, parlamentares não votam projetos relevantes e se valem da "amnésia política" dos eleitores para perpetuar mecanismos de autoproteção Gustavo Krieger da equipe do Correio O escândalo do mensalão foi seguido por promessas de uma reforma política abrangente. Dias depois da explosão do caso dos deputados sanguessugas, parlamentares enfileiravam propostas para mudar a forma de elaborar e fiscalizar o Orçamento da União. Muito pouco foi feito. Invariavelmente, assim que o tsunami político passa, as coisas voltam para o mesmo lugar. O exemplo mais dramático veio no julgamento dos parlamentares acusados de envolvimento com o mensalão. Muitos políticos apostavam na cassação, porque o espírito de sobrevivência dos parlamentares levaria a maioria deles a votar pela condenação para agradar a opinião pública. Na hora do julgamento, com o voto secreto, o espírito de corpo venceu o de sobrevivência. Dos 11 mensaleiros julgados, oito foram absolvidos. Um estudo feito pelo cientista político Alberto Carlos de Almeida explica este divórcio entre a opinião pública e seus representantes eleitos. O problema é que a maioria dos brasileiros não lembra em quem votou. Na pesquisa feita por ele, 71% dos eleitores não lembravam em quem tinham votado para deputado federal quatro anos antes e outros 3% citaram nomes que não existem. A "amnésia política" diagnosticada pelo estudo começa cedo. Dois meses depois das eleições de 2002, 28% dos entrevistados já tinham esquecido seus votos para a Câmara. Sem esta lembrança, falar em fiscalização da atividade parlamentar soa como fantasia política. "Não existe crise política ou de Estado sem crise da sociedade", avalia o sociólogo Sérgio Abranches. "A sociedade brasileira desistiu. Ela tolera o intolerável e se acostumou a levar desaforo para casa". Outro especialista ouvido pelo Correio, o professor Renato Lessa tem uma opinião diferente. Atribui a maior responsabilidade aos setores mais bem informados da sociedade brasileira. "As universidades não participam do debate político. Os intelectuais são muito tímidos. Não se faz uma discussão séria. A academia fica lembrando que as instituições democráticas continuam funcionando apesar da crise, como se isto fosse suficiente." Ele diz que há uma esquizofrenia nas relações entre a elite e a população. "No dia em que o procurador-geral da República apresentou seu relatório indiciando 40 políticos pelo mensalão, passei em uma banca de jornais", conta. "Todos os grandes jornais traziam este assunto na manchete. Enquanto isto, a manchete dos jornais populares era: redução de IPI torna o chuveiro elétrico mais barato. Os eleitores que vão escolher a maioria do Congresso são os que estão preocupados com o preço do chuveiro". Números da crise Os problemas do Congresso vão muito além dos escândalos. O parlamento perdeu a iniciativa política para legislar. Contrariando as expectativas em um ano tão atribulado, a Câmara trabalhou em 2005. Foram 332 sessões, mais que a média dos anos anteriores. Verdade que 97 destas sessões foram dedicadas aos mais diversos tipos de homenagens. Tirando outras sessões que foram feitas apenas para contar prazo de andamento de projetos ou que não tiveram quorum sobraram 149 sessões deliberativas. Ainda seria um bom número. O verdadeiro drama está no tipo de medidas que foram votadas. A iniciativa de legislar foi do governo. O plenário da Câmara aprovou 181 proposições durante o ano. Destas, 97 eram decretos legislativos aprovando tratados internacionais ou sobre a concessão de emissoras de rádio ou televisão. Só 38 projetos foram votados no plenário. "O Congresso Nacional não tem outra maneira de recuperar sua credibilidade a não ser votando. Mas votando projetos relevantes para o país". A avaliação é do presidente do Congresso, senador Renan Calheiros. No ano passado, o senado diagnosticou a crise de imagem e decidiu retomar a iniciativa. Em 2005, incluindo o plenário e as comissões, foram votados 138 projetos de lei propostos pelos próprios Senadores, além de 82 que vieram da Câmara. "Quem vinha legislando era o governo e, em alguns casos como a legislação eleitoral, até o Judiciário". |