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ESPECIAL - O pior Congresso?

Ulysses Guimarães conhecia como ninguém os bastidores do Congresso Nacional. Um dia, ouviu um colega queixar-se do baixo nível do parlamento. Respondeu com profecia . "Você acha esta Câmara ruim? Espere a próxima eleição. Vai ver que sempre dá para piorar." Depois do mensalão, da lista de sanguessugas do Congresso, da dança da pizza no plenário da Câmara, as palavras do doutor Ulysses soam com uma atualidade assustadora. Envolvido em denúncias e sem capacidade política de responder à crise, o parlamento brasileiro vive a sua pior crise de imagem.


Gustavo Krieger
da equipe do Correio

Ulysses Guimarães conhecia como ninguém os bastidores do Congresso Nacional. Um dia, ouviu um colega queixar-se do baixo nível do parlamento. Respondeu com profecia . "Você acha esta Câmara ruim? Espere a próxima eleição. Vai ver que sempre dá para piorar." Depois do mensalão, da lista de sanguessugas do Congresso, da dança da pizza no plenário da Câmara, as palavras do doutor Ulysses soam com uma atualidade assustadora. Envolvido em denúncias e sem capacidade política de responder à crise, o parlamento brasileiro vive a pior crise de imagem desde a redemocratização do país. E o pior é que não há sinais de que o quadro vá melhorar. A reforma política e outras promessas de mudanças ficaram no papel, derrotadas pelo corporativismo.

Em outubro do ano passado, o Instituto Olsen fez uma pesquisa sobre a credibilidade das instituições brasileiras (veja na página 3). Em primeiro lugar apareceram os bombeiros, em quem 90% da população acredita. Os políticos vieram no fim da fila deste "desconfiômetro". Apenas 11% dos entrevistados disseram confiar nos partidos políticos. No Congresso, 14% acreditam nos deputados e 22% nos senadores. Em outra resposta, 81% dos eleitores disseram acreditar que os deputados defendem mais os próprios interesses que os da população que os elegeu. A avaliação dos senadores não foi muito diferente. Para 78% dos pesquisados, eles pensam mais neles mesmos que nos eleitores. Orjan Olsen, diretor do instituto, diz que o quadro hoje tende a estar pior. "A pesquisa foi feita antes da onda de absolvições de deputados envolvidos no mensalão e do escândalo dos sanguessugas".

"Este é o Congresso que convive com a pior crise moral do país", diz Renato Lessa, doutor em Ciência Política e um dos principais estudiosos sobre o parlamento no Brasil. "Esta crise expôs mazelas que existem há muito tempo, em especial nas relações entre a política e o dinheiro", complementa. "No modelo brasileiro de política, governo e Congresso se relacionam entre si sem se relacionar com a sociedade. O governo quer o controle do parlamento e os parlamentares querem o butim do governo."

O diagnóstico é semelhante ao feito por Sérgio Abranches, mestre em sociologia e PhD em Ciência Política. "O processo de deterioração das instituições vem de longe, mas esta é a pior conjuntura". Ele lembra que a composição da atual legislatura não é muito diferente dos mandatos anteriores. Se o perfil do Congresso não mudou, por que a situação piorou tanto? Para Abranches, boa parte da responsabilidade está do outro lado da Praça dos Três Poderes, onde fica o Palácio do Planalto. "O que piorou foi a chegada de um governo fraco no parlamento", diz. "O governo Lula não conseguiu construir uma aliança forte no Congresso e apelou para o fisiologismo. Aliou-se ao que havia de pior no parlamento e deu poder ao baixo clero". Sob este rótulo se abrigam os parlamentares de pouco destaque no Congresso e que costumam trocar o voto por favores do governo.

O baixo clero sempre existiu, mas ganhou destaque no governo Lula. O então ministro da Casa Civil, José Dirceu, costurou uma aliança com os partidos onde o grupo se abriga, como o PL, PTB e PP. Deputados como José Janene, do PP, ou Valdemar Costa Neto, do PL, pularam dos subterrâneos da política para a mesa de reuniões do Palácio do Planalto. Poderoso, o grupo conseguiu eleger Severino Cavalcanti presidente da Câmara. O momento de vitória teve um preço alto. Severino renunciou ao mandato, depois de ser acusado de cobrar propina do empresário que explorava o restaurante da Câmara.

Valdemar também renunciou e Janene tentou se aposentar por invalidez para evitar o processo de cassação. Os dois foram envolvidos no escândalo do mensalão.

Corporativismo
"Este é o pior Congresso da história", ataca o presidente do Conselho de Ética da Câmara, Ricardo Izar (PTB-SP). "A qualidade da representação cai a cada eleição, na mesma medida em que aumenta o corporativismo dos parlamentares". Segundo ele, "boa parte dos deputados chega ao Congresso graças a um grupo específico de interesse e só defende os interesses deste grupo".

A conta faz sentido. Desde que a atual legislatura tomou posse, já houve 334 casos de parlamentares que mudaram de partido. Enquanto isso, outras bancadas se mantiveram inalteradas. A bancada ruralista alinha 103 deputados e cinco senadores. A evangélica enfileira 55 deputados e três senadores. "O Congresso pode ficar ainda mais corporativo na próxima eleição", adverte o jornalista e professor Gaudêncio Torquato. Para ele, os grupos de interesse estão cada vez mais organizados e podem ser ajudados pelo descrédito da população nos políticos. "O maior problema da política no Brasil é o patrimonialismo, a mistura entre o público e o privado", diz. "A formação de bancadas privadas só agrava este problema."


Reformas de faz-de-conta

Sem pressão da opinião pública, parlamentares não votam projetos relevantes e se valem da "amnésia política" dos eleitores para perpetuar mecanismos de autoproteção

Gustavo Krieger
da equipe do Correio

O escândalo do mensalão foi seguido por promessas de uma reforma política abrangente. Dias depois da explosão do caso dos deputados sanguessugas, parlamentares enfileiravam propostas para mudar a forma de elaborar e fiscalizar o Orçamento da União. Muito pouco foi feito. Invariavelmente, assim que o tsunami político passa, as coisas voltam para o mesmo lugar. O exemplo mais dramático veio no julgamento dos parlamentares acusados de envolvimento com o mensalão. Muitos políticos apostavam na cassação, porque o espírito de sobrevivência dos parlamentares levaria a maioria deles a votar pela condenação para agradar a opinião pública. Na hora do julgamento, com o voto secreto, o espírito de corpo venceu o de sobrevivência. Dos 11 mensaleiros julgados, oito foram absolvidos.

Um estudo feito pelo cientista político Alberto Carlos de Almeida explica este divórcio entre a opinião pública e seus representantes eleitos. O problema é que a maioria dos brasileiros não lembra em quem votou. Na pesquisa feita por ele, 71% dos eleitores não lembravam em quem tinham votado para deputado federal quatro anos antes e outros 3% citaram nomes que não existem. A "amnésia política" diagnosticada pelo estudo começa cedo. Dois meses depois das eleições de 2002, 28% dos entrevistados já tinham esquecido seus votos para a Câmara. Sem esta lembrança, falar em fiscalização da atividade parlamentar soa como fantasia política. "Não existe crise política ou de Estado sem crise da sociedade", avalia o sociólogo Sérgio Abranches. "A sociedade brasileira desistiu. Ela tolera o intolerável e se acostumou a levar desaforo para casa".

Outro especialista ouvido pelo Correio, o professor Renato Lessa tem uma opinião diferente. Atribui a maior responsabilidade aos setores mais bem informados da sociedade brasileira. "As universidades não participam do debate político. Os intelectuais são muito tímidos. Não se faz uma discussão séria. A academia fica lembrando que as instituições democráticas continuam funcionando apesar da crise, como se isto fosse suficiente." Ele diz que há uma esquizofrenia nas relações entre a elite e a população. "No dia em que o procurador-geral da República apresentou seu relatório indiciando 40 políticos pelo mensalão, passei em uma banca de jornais", conta. "Todos os grandes jornais traziam este assunto na manchete. Enquanto isto, a manchete dos jornais populares era: redução de IPI torna o chuveiro elétrico mais barato. Os eleitores que vão escolher a maioria do Congresso são os que estão preocupados com o preço do chuveiro".

Números da crise
Os problemas do Congresso vão muito além dos escândalos. O parlamento perdeu a iniciativa política para legislar. Contrariando as expectativas em um ano tão atribulado, a Câmara trabalhou em 2005. Foram 332 sessões, mais que a média dos anos anteriores. Verdade que 97 destas sessões foram dedicadas aos mais diversos tipos de homenagens. Tirando outras sessões que foram feitas apenas para contar prazo de andamento de projetos ou que não tiveram quorum sobraram 149 sessões deliberativas. Ainda seria um bom número. O verdadeiro drama está no tipo de medidas que foram votadas. A iniciativa de legislar foi do governo. O plenário da Câmara aprovou 181 proposições durante o ano. Destas, 97 eram decretos legislativos aprovando tratados internacionais ou sobre a concessão de emissoras de rádio ou televisão. Só 38 projetos foram votados no plenário.

"O Congresso Nacional não tem outra maneira de recuperar sua credibilidade a não ser votando. Mas votando projetos relevantes para o país". A avaliação é do presidente do Congresso, senador Renan Calheiros. No ano passado, o senado diagnosticou a crise de imagem e decidiu retomar a iniciativa. Em 2005, incluindo o plenário e as comissões, foram votados 138 projetos de lei propostos pelos próprios Senadores, além de 82 que vieram da Câmara. "Quem vinha legislando era o governo e, em alguns casos como a legislação eleitoral, até o Judiciário".


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