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O PODER JOVEM - Aroldo Pinheiro

Cinco moleques... Cinco borra-bostas que ouviram o galo cantar, mas não sabiam de onde vinha aquele canto. À guisa de mostrar participação política, falavam e traçavam planos idiotas de uma revolução que não sabiam contra quem nem favor de quê.


O ano era 1970: Brasil tri-campeão, Milagre Brasileiro, Embratel, Transamazônica... "Eu te amo, meu Brasil", com Don e Ravel e "País Tropical", com Jorge Ben (naquele tempo, sem o Jor) ou com Wilson Simonal eram algumas das músicas mais ouvidas nas rádios. A mão dura de Médici descia o cacete em quem se opusesse à Redentora(1); os porões da ditadura fervilhavam com presos políticos e o DOPS não parava de transferir cidadãos para o além.
Na Escola Oswaldo Cruz, alta madrugada, com uma garrafa de cachaça que corria de mão em mão, Carlinhos, Adolfo, Ginura, Olavo e Bessinha discutiam o momento político. Pura falta do que fazer; pura irresponsabilidade:
- O momento pede que a gente dê uma basta nisso que tá aí... - Dizia Ginura, 18 anos.
- No Rio e em São Paulo a coisa tá pegando fogo... - Replicava Olavo, 19 anos.
- Eu, de dentro do exército, posso ajudar arregimentando pessoas que me ajudem a desviar armas. - Sonhava o soldado Bessa, 18 anos, recém incorporado nas Forças Armadas.
- Eu não sei o que posso fazer, mas podem contar comigo! - Falou Adolfo, 15 anos, sem nem pensar no que dizia.
- Nós somos a semente do Poder Jovem e temos que mostrar que aqui também tem contra-revolucionários. O Poder Jovem vai tomar conta desse País! - Bradou empolgadamente Carlinhos, 20 anos, tirando de cima dos olhos uma mecha de sua vasta e escorrida cabeleira à Ronnie Von.
Cinco moleques... Cinco borra-bostas que ouviram o galo cantar, mas não sabiam de onde vinha aquele canto. À guisa de mostrar participação política, falavam e traçavam planos idiotas de uma revolução que não sabiam contra quem nem favor de quê. As madrugadas eram encerradas com elaborado aperto de mão - espécie de senha - inventado por eles, marcando nova reunião para dali a três dias "na mesma bat-hora, no mesmo bat-canal". Essas reuniões eram feitas para decidir que nada ficou decidido.
Ao fim das férias, cada um tomou seu caminho: Ginura e Carlinhos retomaram seus estudos em Brasília, Olavo se foi para Belo Horizonte, Bessinha seguiu participando das manobras no exército e Adolfo voltou para as modorrentas aulas do "Euclides da Cunha".
O tempo passou, iniciou-se a abertura lenta e gradual, veio a campanha pelas diretas, o fim do "prendo e arrebento" instituído por Figueredo, a eleição de Tancredo, o caótico governo Sarney, a fracassada administração Collor de Melo, o tresloucado cometa Itamar Franco, os oito anos "reais" de FHC e, finalmente, a fase "neo-qualquer-coisa" do PT. O Poder Jovem, além do desastrado roubo e destruição acidental de um jipe chapa-branca, nada fez para mudar os rumos do País ao longo desse tempo.
Há poucos dias, Adolfo viu na Rodoviária, ao longe, uma silhueta que lhe pareceu familiar; apesar do corpo roliço, a barriga proeminente e parcos fios brancos no lugar da outrora vasta cabeleira à Ronnie Von, não teve dúvidas: ali estava Carlinhos que, ao ser tocado nas costas, voltou-se e se deparou com a figura do "ex-revolucionário" atrás de grossas lentes corretivas de miopia, cabeça tomada por fios prateados, muitos pés-de-galinha nos cantos da face e horrível barriga sobre o cós da calça. Carlinhos abriu um sorriso que logo transformou-se em desalento quando, ironicamente, Adolfo falou se referindo a ambos:
- Meu amigo Carlinhos...: isso aqui é tudo o que restou do Poder Jovem?

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